2025: O ano que decidiremos o futuro da internet

por Global Voices
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2025: O ano que decidiremos o futuro da internet

Será a IA o futuro da internet? Ilustração gerada com IA por Muhammed Bello Buhari. Usada sob permissão.

Por Muhammed Bello Buhari

Hoje em dia, se você posta um vídeo em alguma plataforma digital, é quase certo que ele será visto por pessoas do mundo todo em uma questão de segundos. Não importa se você está em um vilarejo distante na Indonésia, nas vibrantes ruas de São Paulo ou na cidade movimentada de Lagos, na Nigéria, seu vídeo pode atravessar fronteiras e alcançar milhões de pessoas instantaneamente. A atual estrutura da internet torna essa comunicação sem fronteiras possível, fortalecendo a colaboração e a troca de ideias à distância. Apesar das restrições impostas ocasionalmente pelos governos, o padrão fundamental, unificado e interoperável da internet permanece o mesmo no mundo todo, transcendendo barreiras geográficas e políticas.

Mas isso pode mudar. Em 2024, tiveram início discussões decisivas que podem reconfigurar a governança da internet, com debates se estenderão até 2025. O que está em jogo é a mudança de um modelo multissetorial (onde governos, empresas, sociedade civil e comunidades técnicas partilham responsabilidade) para um modelo dominado pelo governo. Dentre os assuntos tratados estão: a internet livre, a conectividade, a inteligência artificial (IA), a infraestrutura digital, os direitos humanos e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No centro desses debates está uma pergunta crucial: Pode o modelo multilateral, que preserva uma internet aberta e inclusiva, sobreviver?

Como funciona a internet e por que isso importa?

A internet foi desenvolvida para ser descentralizada, uma rede de redes onde nenhuma entidade tem controle absoluto. Essa arquitetura fortalecia a participação igualitária, a inovação e a troca livre de ideias. Padrões abertos que permitem uma interconexão fluida e um modelo de governança multissetorial possibilitaram a internet crescer e se tornar uma plataforma global transformadora, capacitando qualquer um a construir redes sem a necessidade de uma aprovação centralizada. A funcionalidade da internet é definida pelo Modelo OSI, que abrange camadas de aplicação, apresentação, sessão, transporte, rede, enlace de dados e infraestrutura física.

Com o tempo, empresas como Facebook (Meta), Google e Amazon, que focavam inicialmente na camada de aplicação (serviços como redes sociais, pesquisa e comércio eletrônico), começaram a integrar verticalmente outras camadas, incluindo a infraestrutura física como cabos submarinos e centros de dados. Essa integração vertical consolida o poder, possibilitando que essas empresas controlem os serviços e também as camadas físicas e de rede da internet. Essa concentração de influência fere a arquitetura descentralizada e atribui a essas empresas uma vantagem desproporcional sobre os canais de comunicação globais, aumentando as preocupações sobre práticas potencialmente monopolistas. Tais dinâmicas ressaltam a importância de uma governança robusta para assegurar transparência, universalidade e acesso justo em todas as camadas da internet.

Por que isso importa?

A camada de aplicação da internet alimenta partes essenciais da vida diária, como as redes sociais, o comércio digital e a navegação. Mais abaixo, a camada de rede designa endereços IP (Protocolo de Internet) exclusivos para os aparelhos no mundo todo, disponibilizando conectividade. Atualmente, a designação e o controle dos endereços IP são gerenciadas por um sistema hierárquico sob a Autoridade para Atribuição de Números da Internet (IANA) e o Registro Regional da Internet (RIR), assegurando uma distribuição justa e uma supervisão descentralizada. No entanto, centralizar o controle de endereços IP concederia um poder de controle imenso sobre a comunicação global e o fluxo de informações. É isso que torna a governança da internet crucial, não apenas para proteger a liberdade de expressão mas também para preservar os princípios de descentralização que compõem os fundamentos da internet.

Por que 2025 é um ano crucial?

O ano de 2025 é crucial para o futuro da internet devido a duas tendências globais e a adoção do Pacto Digital Global (GDC). Em primeiro lugar, os governos têm enfrentado uma crescente pressão (acelerada pela pandemia de COVID-19) para regular o ecossistema digital. A pandemia expôs as vulnerabilidades dos espaços digitais para a propagação de desinformação, crimes cibernéticos e brechas na privacidade on-line, aumentando pedidos por regulamentações mais fortes. Até 2022, mais de 25% dos governos do mundo promulgaram marcos nacionais voltados a controlar as plataformas digitais, os conteúdos on-line e os dados dos usuários. Em segundo lugar, os modelos de internet controlados pelo Estado, defendidos por nações como a China, estão reestruturando o cenário digital. As propostas de “novos IPs” da China para as organizações internacionais de regulamentação, comoISO (Organização Internacional para a Padronização) e a ITU (União Internacional de Telecomunicações), permitiriam o controle estatal sobre cada aparelho conectado com a rede, usando termos como “segurança nacional” e “soberania digital” para justificar restrições à abertura e interoperabilidade. Essa mudança é fomentada por países como a Rússia, que demonstra a intenção de criar redes isoladas, desafiando o próprio conceito da internet global como uma “rede de redes.”

O controle de infraestruturas essenciais, como endereços IP, é crucial para assegurar que a comunicação global continue aberta e acessível. Por exemplo, imagine um pequeno negócio digital no Quênia que depende do comércio transfronteiriço com clientes na Europa. Se a internet global for fragmentada em redes isoladas, esse negócio pode perder acesso aos mercados internacionais da noite para o dia, acabando com suas operações e com a fonte de renda de quem depende dele. Cenários como esse ressaltam o que está em jogo para manter uma internet aberta e interconectada

Em resposta, em setembro de 2024, foi aprovado o GDC (Pacto Digital Global), negociado por 193 Estados-membros e parte do Pacto para o Futuro, na Cúpula do Futuro das Nações Unidas. Dentre os principais destaques do GDC estão os compromissos com o acesso universal à internet, a promoção de sistemas éticos de IA, o aumento da cooperação com a segurança cibernética e a garantia da integração dos direitos humanos nas políticas de governança digital. Além disso, pretende abordar as desigualdades digitais promovendo o desenvolvimento inclusivo e equitativo de tecnologias digitais.

Nota-se que o GDC eleva o papel do Escritório do Enviado do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Tecnologia em Nova Iorque a uma posição central, consolidando uma autoridade que antes se estendia por entidades baseadas em Genebra, como a UIT e a UNCTAD. Ao mesmo tempo que essa mudança tem intenção de tornar a governança mais eficiente, gera preocupações sobre a exclusão de atores não estatais nos processos de tomada de decisões. Os críticos temem que essa centralização possa marginalizar o modelo multissetorial e que haja risco de negligenciar a integração dos princípios de direitos humanos em sua implantação. Esses acontecimentos coincidem com a próxima Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação CMSI+20 em 2025, que tem como pauta avaliar a implementação e o progresso das decisões tomadas na CMSI de 2005, incluindo o Fórum de Governança da Internet (FGI). Claramente, o que está em jogo é claro: a internet está em um encruzilhada entre a abertura democrática e o controle autoritário.

O FGI e a revisão da CMSI+20: O que está em jogo?

Uma preocupação crescente é o futuro do FGI, uma plataforma multissetorial derivada da CMSI 2005, que será reavaliada durante a CMSI+20. O FGI, apesar de suas falhas, como a falta de poder de decisão e a escolha polêmica de sua sede, como a Arábia Saudita em 2024, continua sendo uma das plataformas mais eficazes para reunir as diversas partes interessadas. O fórum fornece um espaço único para debates consensuais, fundamentados nos direitos humanos, sobre a governança da internet.

Um desafio emergente é a mudança de narrativa nos fóruns globais, onde os direitos humanos se enquadram cada vez mais sob o prisma do desenvolvimento econômico ao invés de liberdades como a de expressão e de participação. Essa mudança, motivada por atores estatais influentes e algumas organizações internacionais, reflete uma ênfase crescente nas economias digitais e nos investimentos infraestruturais como  bases dos programas de desenvolvimento nacionais e globais. Tais prioridades se alinham com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas correm o risco de enfraquecer as discussões críticas sobre a proteção de direitos e liberdades individuais em favor dos imperativos econômicos.

Proteger a governança da internet: O que deve ser feito?

O engajamento imediato é crucial. A sociedade civil deve se juntar para proteger uma internet que seja inclusiva, aberta e equitativa. Um modelo multissetorial, transparente, participativo e responsável, é crucial para manter a internet como uma plataforma global e interoperável. Preservar a sua essência requer vigilância e ação para combater as tentativas de centralizar o controle ou enfraquecer os princípios de governança. As partes interessadas devem contribuir com processos que formam o futuro da governança da internet, especialmente o Pacto Digital Global (GDC) e a revisão da CMSI+20. O guia do GDC de 2025 inclui a aprovação, um mapa de implementação, fases de revisão e uma revisão de alto nível até 2027. De maneira similar, a CMSI+20 solicita o feedback sobre as Linhas de Ação da CMSI até janeiro de 2025 e a realização de consultas para lidar com as lacunas da agenda até março de 2025. Esses processos são oportunidades cruciais para defender políticas inclusivas e transparentes que mantenham uma internet aberta.

A urgência é evidente. A internet passou por transformações drásticas desde a CMSI de Genebra em 2003, tornando-se essencial para a vida moderna. Desafios emergentes como a IA e as fragmentações geopolíticas ameaçam os princípios fundamentais, mas o modelo de multissetorial permanece sendo uma ferramenta vital para navegar tais complexidades. A sociedade civil precisa aumentar a conscientização em nível local e global, participar dos FGIs nacionais e regionais, e colaborar de forma direta com os elaboradores de políticas. Obter uma comunicação eficaz e ressaltar o papel da internet para atingir metas de desenvolvimento sustentáveis são estratégias essenciais. Ao priorizar os direitos humanos, apoiar a inclusão digital e formar políticas justas, as partes interessadas podem assegurar que a internet continue sendo um espaço democrático e inovador por gerações.

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