Imagem por Arzu Geybullayeva, feita usando o Canva Pro.
Ulviyya Guliyeva, ou Ulviyya Ali como é conhecida pelos seus amigos, é a 25ª jornalista presa no Azerbaijão em um ataque violento a veículos de mídia independentes e alinhados com a oposição que começou em novembro de 2023.
A jornalista, que trabalhou para o Voice of America até fevereiro deste ano, e é conhecida pela cobertura de violações de direitos, liberdade de expressão e injustiças sociais, previu a sua prisão. Ela enviou uma mensagem pessoal a amigos e os instruiu a publicá-la caso algo acontecesse com ela. “Assim como todos os meus colegas [que foram presos], eu não cometi nenhum crime”, dizia a mensagem, que agora foi compartilhada nas redes sociais pelos amigos e colegas de Guliyeva. A jornalista enfrenta as mesmas acusações que foram feitas contra todos os jornalistas presos anteriormente: tráfico de moeda estrangeira. A polícia afirma ter encontrado mais de 6.000 euros em espécie em seu apartamento, que eles revistaram. Guliyeva nega as acusações e prometeu continuar a reportar de dentro da prisão.
Novembro de 2023 até agora
Desde novembro de 2023, o Estado ameaçou várias plataformas on-line de mídia, prendendo repórteres, hackeando contas de redes sociais, removendo conteúdo on-line e negando que o país silencia a liberdade de expressão, mesmo que o país tenha ficado em 167º lugar entre 180 países no mais recente Índice de Liberdade de Imprensa do Repórteres sem Fronteiras.
Tudo começou com a Abzas Media. A plataforma de jornalismo investigativo teve toda a sua equipe em Baku presa sob falsas acusações de tráfico de moeda. A isso se seguiram incidentes envolvendo o Kanal 13 e, depois a Toplum TV, um canal de notícias on-line. O escritório da Toplum TV foi invadido pela polícia, que prendeu membros da equipe, confiscou equipamentos e lacrou o prédio.
As prisões afetaram não apenas jornalistas, mas também ativistas civis e políticos às vésperas da COP29, em novembro passado, que foi em Baku, no Azerbaijão.
Em dezembro de 2024, um mês após a COP29, o Meydan TV, um veículo de mídia que cobria o Azerbaijão, foi alvo de prisões, com a redação inteira sendo colocada atrás das grades sob falsas acusações de tráfico de moedas.
Desde então, vários jornalistas independentes que permaneceram no país foram presos e colocados sob investigação pré-julgamento como parte de um inquérito criminal aberto contra o Meydan TV. Entre eles, Fatima Movlamli, Nurlan Gahraman e Shamshad Aghayev.
No mesmo dia em que Guliyeva foi presa, outro ativista civil, Ahmad Mammadli, também foi preso. Mammadli foi presidente do Democracy 1918, um movimento pró-democracia agora já inativo. Três meses atrás, ele começou o canal no YouTube, Yoldash, onde compartilhou histórias sobre trabalho e direitos humanos no país. Ambos foram vítimas de violência da polícia. Guliyeva teria sigo golpeada diversas vezes na cabeça, e Mammadli foi severamente agredido e eletrocutado, tudo porque se recusaram a fornecer a senha de desbloqueio de seus aparelhos.
“Naquele momento, o policialzinho em cima de mim começou a bater na minha cabeça. Sempre que eu dizia “eu não sei”, ele me dava um soco na cabeça. Ele me bateu cinco vezes na nuca, duas vezes no meio da cabeça e duas vezes me bateu na testa com o dedo”, escreveu Guliyeva numa carta pessoal, escrita no centro de detenção pré-julgamento, sobre como foi presa, e então encarcerada, o interrogatório e a violência policial à qual foi sujeita durante o questionamento. “Uma vez eles viram que eu não ia falar as senhas, eles começaram a puxar meu cabelo, arrancando fios. O policialzinho disse: ‘me traga um choque elétrico’. Eles trouxeram alguma coisa e colocaram na mesa. Quando eu não dei a eles as senhas, o policial disse, ‘vou violar a sua feminilidade’. Meu coração chegou na boca quando ouvi essas palavras. Já sabemos do que a polícia do Azerbaijão é ‘capaz’. A polícia do Azeribaijão abusa de pessoas, bate nelas e comete atos ilegais. Mal sabia eu que a polícia do Azerbaijão também abusa e estupra mulheres”, escreveu Guliyeva.
Em 2017, o serviço penitenciário do Azerbaijão recebeu mais de um milhão de euros como parte de um pacote de reformas desenvolvido e financiado pela União Europeia e pelo Conselho da Europa. Isso além de 23 milhões de euros fornecidos desde 2014 para financiar programas de desenvolvimento com o objetivo de “capacitar o sistema judicial”, “treinar pessoal”, “melhorar a supervisão das condições das prisões”, e “aumentar a transparência e prevenir a corrupção”, entre outros objetivos de acordo com reportagem de Forbidden Stories e documentos disponíveis publicamente.
Em fevereiro de 2025, durante a segunda reunião do comitê diretor local do programa Parceria para a Boa Governança da UE e do Conselho da Europa, as partes interessadas, incluindo representantes do governo do Azerbaijão, analisaram as conquistas do ano anterior, discutiram desafios e soluções e planejaram atividades para 2025. O Conselho da Europa anunciou que a iniciativa reforçava o compromisso das autoridades nacionais em cooperar e alinhar as reformas internas com as normas europeias. Informaram que “quatro projetos específicos por país estão sendo implementados no Azerbaijão, com um orçamento total de 2,5 milhões de euros, cofinanciados pela UE e pelo Conselho da Europa”. Esses projetos visam “promover a mediação na justiça, prevenir e combater o crime econômico, promover a igualdade e prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica”.
No entanto, os maus-tratos e a tortura nas prisões do Azerbaijão não são incomuns. Casos de maus-tratos foram repetidamente documentados por jornalistas locais, bem como pelo Comitê para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) do Conselho da Europa, que emitiu uma declaração em julho de 2024, citando a recusa categórica das autoridades do Azerbaijão em cooperar com o CPT e a total inércia do Ministério do Interior do Azerbaijão para pôr fim aos maus-tratos e até mesmo à tortura por parte de agentes da polícia. O CPT também publicou um relatório em resposta à falta de ação.
De acordo com o “Artigo 11 da Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes, o relatório [do país] relativo a uma visita permanece confidencial até que as autoridades do Estado em causa solicitem a sua publicação. Não existe qualquer obrigação legal para o Estado publicar o relatório”. O CPT publicou o relatório de 2022 dois anos mais tarde, à luz das alegações de tortura e maus-tratos que continuavam a ser feitas.
Em 25 de abril, a Alta Representante da União Europeia para Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Kaja Kallas, viajou para Baku e se reuniu com o presidente Ilham Aliyev, com o ministro das Relações Exteriores, Jeyhun Bayramov e um grupo de Jovens Embaixadores Europeus do Azerbaijão. Embora tenham elogiado as parcerias, não houve nenhuma menção ao histórico do país em matéria de direitos e liberdades, sugerindo que Kallas não conseguiu usar sua posição para defender os direitos humanos universais e o direito internacional.
A situação difícil de Guliyeva e de inúmeras outras pessoas nas prisões
Depois que a licença da Voz da América foi revogada no Azerbaijão, Guliyeva disse que continuaria seu trabalho jornalístico mesmo desempregada. Ela manteve sua palavra e reportou os julgamentos dos quais participou. “Depois que outros jornalistas foram presos, as pessoas vítimas de injustiça, violência ou repressão passaram a recorrer a mim. Tentei ser a voz de todos. Mesmo sem uma plataforma, continuei meu trabalho através dos meus perfis no Facebook e no X. Eu estava expondo os abusos enfrentados por todos os presos políticos que haviam sido falsamente encarcerados“, escreveu Guliyeva da prisão, na mesma carta em que descreveu como foi vítima de violência policial. Ao reportar sobre essas questões mesmo depois de perder seu emprego na Voz da América, ela escreveu: ”isso minou a narrativa [do governo] de que jornalistas independentes e redações eram financiados por interesses ocidentais”.
Ulviyya Guliyeva é agora a 11ª jornalista presa como parte da investigação da Meydan TV. No total, 25 jornalistas estão atrás das grades, todos enfrentando acusações falsas de contrabando e uma lista de outros crimes que jornalistas e a comunidade internacional de direitos humanos e liberdade de imprensa consideram falsas e um ataque violento à mídia independente e livre. Em 20 de maio, o promotor pediu penas de prisão que variam de 11 a 12 anos para os jornalistas da Abzas Media, somando 80 anos. No mesmo dia, um jovem acadêmico e pesquisador de minorias étnicas, Igbal Abilov, preso em julho de 2024, foi condenado a 18 anos por traição. Ele foi acusado de fazer apelos contra o Estado com base em ordens de atores estrangeiros, bem como de incitar o ódio e a inimizade nacional, racial, social ou religiosa.