Nos últimos anos, assistimos a uma crescente pressão mundial para que redes como Facebook, Instagram e X assumissem uma parcela de responsabilidade em relação ao aumento no volume de fake news que circulam em seus espaços digitais.
As medidas até então adotadas pela Meta para mitigar a questão não foram das mais contundentes em termos de atacar o problema, mas passavam um recado sobre a necessidade de se fazer algo. Nesse contexto, surgiram as parcerias da empresa com os checadores de fatos.
Com a volta de Trump à Casa Branca – notável propagador de fake news –, Mark Zuckerberg se sentiu seguro para anunciar o fim da checagem de fatos no Facebook e Instagram. A medida está alinhada com o pensamento de Trump e com Elon Musk.
O dono da Meta, empresa que congrega Facebook, Instagram e WhatsApp, rapidamente aproveitou a janela de oportunidade que se abriu com a volta do governo de extrema direita aos Estados Unidos. Ele se viu diante da chance de fortalecer a trincheira daqueles que se opõem a regulação das plataformas de redes sociais.
Trump, em seu livro autobiográfico publicado em 1987, já revelava a sua forma de lidar com os acontecimentos: “Eu mexo com a fantasia das pessoas […] é por isso que um exagero nunca faz mal. Elas querem acreditar no grande […]”.
Ainda que a decisão da Meta atinja, por enquanto, apenas aos Estados Unidos, o recado fica claro para países da América Latina e Europa, citados por Zuckerberg em seu pronunciamento. O que está em jogo na decisão da Meta de acabar com a checagem de fatos e das demais medidas anunciadas é pavimentar o caminho contra a regulação das plataformas no mundo.
Trazer fatos à tona não é censura
O forte lobby das big techs pesando na balança em discussões sobre a regulação das plataformas nos parlamentos já acontece há anos. Mas a volta de Trump abre portas para ofensivas mais explícitas. Zuckerberg falou em “restaurar a liberdade de expressão” e trabalhar para “reduzir a censura”. Ao colocar nesses termos, o dono da Meta aposta alto no enfrentamento. O mesmo discurso político é adotado pela extrema direita.
Constatamos, em pesquisas, a evocação da liberdade de expressão como aval para a produção de desinformação. Tomemos como exemplo a ala bolsonarista no Congresso, durante audiências da CPMI das Fake News, que se utilizava largamente desse recurso. Quando uma informação é classificada como falsa, se acusa de censura. Estratégias retóricas são utilizadas nas disputas políticas na tentativa de convencer a opinião pública e produzir desconfiança generalizada.
É bom que se esclareça sobre o trabalho da checagem de fatos. Os profissionais qualificados que trabalham com essa prática adotam um método: uma velha conhecida nossa chamada apuração jornalística. Portanto, a checagem nada mais é do que uma verificação, batendo com fontes confiáveis aquele dado inicial apreendido circulando em mídias. Não há censura em trazer à tona os fatos.
Alguns perguntam “quem checa os checadores?”. Não haveria essa necessidade, já que eles trabalham com a publicação da atividade meio do jornalismo – a citada apuração. Ninguém pergunta quem checa os jornalistas, pois já se pressupõe permeando o trabalho tal técnica para sua realização.
A checagem de fatos não vai resolver as fake news, que são publicadas reiteradamente em escala industrial. O que os checadores podem fazer é contribuir com a qualidade da informação que circula no debate público.
O seu benefício está em trazer o contraponto às fake news e não extingui-las, instrumentalizando a população e contribuindo com o que podemos chamar de cultura de checagem.
Como uma atividade reativa – já que “reage” aos dados possivelmente falsos circulando –, não traz o que é “a verdade” em termos absolutos, mas sim o que a filósofa política Hannah Arendt denominou como verdade de fato, que está justamente atrelada aos acontecimentos e que conta com evidências comprováveis do acontecido.
Também anunciada por Zuckerberg, a adoção do sistema de notas da comunidade, semelhante ao modelo praticado no X, não conta com a notoriedade da checagem de fato. Qualquer pessoa pode criar uma nota, havendo inclusive a possibilidade de se utilizar do instrumento para reforçar a produção de fake news.
Regulação cada vez mais distante
Para 2025, podemos esperar um cenário ainda mais favorável ao fortalecimento das big techs contra a regulação de suas plataformas, a partir de discursos já utilizados por extremistas de direita. Resta-nos saber como os países pretendem fazer frente ao desafio de forma mais contundente.
No Brasil, a Advocacia Geral da União (AGU) pediu, formalmente, explicações sobre as novidades anunciadas pela Meta. O retorno da empresa reafirmou que o caminho para responsabilizações seguirá tortuoso, já que informaram que as políticas relacionadas às manifestações de ódio foram alteradas no país, também em nome da dita “liberdade de expressão”.
Observamos de um lado o mercado, na figura de empresas privadas com grande poder, e suas estratégias de negócio, e de outro o Estado-nação com legislações próprias de cada país, quem tem o propósito de garantir os direitos dos cidadãos.
Outro episódio recente exemplar deste embate foi protagonizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na figura de Alexandre de Moraes e Musk, o dono do X, deixando a plataforma fora do ar no Brasil por determinação legal.
As fake news vieram para ficar, é um fenômeno de nossos tempos digitais e funcionam. Comunicações produzidas com informações inverídicas, como no formato meme, acabam por “conectar” com as pessoas que as recebem. Isso ocorre ao estimular uma espécie de aderência delas ao conteúdo desinformativo a partir de mecanismos como associação do assunto aos seus repertórios particulares ou despertar um sentimento de medo/preocupação.
Enquanto a discussão da regulação tem dificuldades em avançar (mas sim, parece retroceder) para a criação de ambientes mais favoráveis à informação de qualidade, quem perde é a sociedade, sentindo cada vez mais os efeitos de um mundo em que cada um tem sua própria verdade, seus próprios fatos.