Trump ambiciona a Groenlândia para fazer frente à presença russa e chinesa na região

por The Conversation
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Trump ambiciona a Groenlândia para fazer frente à presença russa e chinesa na região

A recente declaração de Donald Trump de que não descarta a coerção militar ou econômica para adquirir a Groenlândia remonta a sua primeira proposta de compra da ilha no Ártico pertencente ao Reino da Dinamarca, em 2019. Na semana passada, Trump e Mette Frederiksen, a primeira-ministra da Dinamarca, tiveram uma conversa telefônica supostamente acalorada, na qual o presidente dos EUA reafirmou sua determinação em adquirir a ilha, enquanto que Frederiksen teria oferecido maior cooperação militar e na exploração de minerais.

Trump não foi o primeiro presidente estadunidense a fazer uma oferta de compra pela Groenlândia. Já em 1946, Henry Truman tentou adquirir o território dinamarquês. Apesar de não ter tido êxito, Truman garantiu um acordo de defesa que permitiu a presença dos EUA na região a partir da base espacial de Pitufikk (antiga base aérea de Thule).

Mais do que o interesse na Groenlândia em si, as declarações de Trump demonstram a preocupação dos Estados Unidos com a crescente presença russa e chinesa no Ártico, fazendo com que o governo atual busque garantir a presença de Washington neste espaço geopolítico em um contexto de disputa estratégica entre as grandes potências.

Um histórico das políticas para o Ártico

A definição política do Ártico se dá pelo grupo de oito países formados por Rússia, Noruega, Finlândia, Suécia, Islândia, Dinamarca (Groenlândia), EUA e Canadá. Neste espaço geopolítico encontra-se a menor distância entre Rússia e Estados Unidos, principal razão pela qual o Ártico se constituiu como uma zona de tensão entre as duas superpotências ao longo da Guerra Fria.

No entanto, desde a chamada “Iniciativa de Murmansk”, proposta pelo líder soviético Mikhail Gorbachev, em 1987, o Ártico passou por um processo de distensionamento e intensificação da cooperação regional, sobretudo no âmbito científico e de cooperação dos povos originários, consolidado a partir da institucionalização do Conselho do Ártico, em 1996.

Nesse contexto de maior otimismo, Bill Clinton publicou, em 1994, a Diretiva de Decisão Presidencial (NSC-26), estabelecendo a primeira política estadunidense para o Ártico e a Antártida no pós-Guerra Fria. O documento reiterava que Washington possuía objetivos na região e buscava garantir a capacidade de impedir um ataque ao território estadunidense através do Ártico, bem como a livre navegação marítima com base nos dispositivos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) de 1982, na qual os EUA são o único país Ártico a não fazer parte do tratado.

Nos últimos dias de seu mandato, em 2009, Bush estabeleceu, através de uma nova diretiva presidencial (NSPD-66/HSPD-25), a política estadunidense específica para o Ártico, substituindo a NSC-26, que continuaria a ser válida apenas para a Antártida.

O momento da publicação desta política a dota de maior significado quando se considera que ela sucede a expedição científica russa, em 2007, e a publicação de um estudo pela United States Geographical Survey, em 2008, que estima uma enorme quantidade de gás natural, petróleo, e minerais no Ártico.

Ainda, o documento apresenta, como maior prioridade, a liberdade de navegação marinha, reafirmando o posicionamento de Washington de não admitir as reivindicações de Canadá e Rússia, sobre as chamadas Passagem do Noroeste e Rota do Mar do Norte enquanto águas internas, respectivamente. Além disso, recomenda ao Senado a ratificação do CNUDM, com o objetivo de proporcionar um canal diplomático na qual Washington pode reivindicar seus direitos em relação ao tráfego marinho no Ártico.

Durante o Governo Obama, os EUA aprofundaram sua política para o Ártico, ao estabeleceram, em 2013, a Estratégia Nacional para a Região do Ártico. Para seu último ano de mandato, 2017, o Departamento de Defesa dos EUA apresentou um pacote de 6 bilhões de dólares, direcionando os gatos para pesquisa, infraestrutura militar e aquisição de armamentos, sistemas e capacidades militares, conforme os objetivos regionais estabelecidos em 2013.

Desde Trump 1.0, presença americana intensificada na região

Com a ascensão de Trump ao poder, em 2019, o Departamento de Defesa reformulou sua política do Ártico, visando aumentar as operações na região. Além disso, o documento afirma que os maiores riscos para a segurança dos EUA na região advém dos interesses russos e chineses, e que a presença destes países no Ártico pode se tornar um corredor para competição estratégica com os Estados Unidos.

Naquele mesmo ano, a Marinha e a Guarda Costeira publicaram suas próprias estratégias regionais para o Ártico, seguidos pela Força Aérea (2020), Exército (2021), e o Departamento de Segurança Interna (2021), em consonância com a crescente importância dada por Washington à região.

Durante o Governo Biden, a tensão no Ártico cresceu após o início da guerra da Ucrânia, que teve como principais consequências para a cooperação regional a pausa dos grupos de trabalhos com presença russa no âmbito do Conselho do Ártico, a adesão de Suécia e Finlândia à OTAN, e a imposição de sanções aos projetos de exploração de gás natural em território ártico russo.

Nesse sentido, constata-se que o interesse de Donald Trump pela Groenlândia se insere dentro de um contexto de crescente importância do Ártico nas relações de disputa entre potências como Rússia, EUA e China.

Estratégia militar ou exploração de recursos?

Ainda que se deva destacar o possível valor estratégico da exploração dos recursos da ilha, os altos custos envolvidos para esta atividade podem se tornar possíveis obstáculos ao governo estadunidense. O maior interesse, portanto, é de ordem estratégica-militar, com o objetivo de fazer frente à presença russa e chinesa na região, e aumentar o espaço de manobra da Marinha e da Força Aérea estadunidense no Ártico.

O fato de que, com exceção da Rússia, todos os sete países da região fazem parte da OTAN, e de que os EUA já possuem uma base aérea na costa oeste da Groenlândia desde o governo Truman, deveriam ser elementos suficientes para que Donald Trump não precisasse buscar compelir a Dinamarca a ceder seu território. Ademais, o crescente movimento de independência na Groenlândia se já coloca como janela de oportunidade para os EUA aumentarem sua influência sobre a ilha no futuro.

Portanto, as declarações do novo presidente estadunidense podem ser entendidas, concomitantemente, como mais uma de suas bravatas, sua contínua desconfiança e desapontamento com os membros da OTAN, e a busca por uma nova estratégia estadunidense de avançar seus interesses no Ártico de forma unilateral, escancarando a disputa de Washington com Moscou e Pequim.

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