Depois de dez anos, a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver retorna a Brasília nesta terça (25) para afirmar o movimento como uma resposta ao aprofundamento das desigualdades, fortalecendo a urgência de um país comprometido com reparação histórica, justiça social e um futuro de dignidade e cuidado.

Para este ano são esperadas mulheres de todos os estados do Brasil e de mais de 40 países. A ideia é a de levar mais participantes do que em 2015, quando houve a presença de mais de 100 mil pessoas. De São Paulo devem sair pelo menos 13 caravanas rumo à capital federal.
A delegação que sairá de São Paulo contará com mais de 350 mulheres. “As caravanas daqui estão sendo organizadas desde agosto do ano passado”, diz a integrante do Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, Iyáloriṣà Adriana t’Ọmọlú, que participou da primeira edição do evento, em 2015.
Ela participou em São Paulo da construção desta nova edição da Marcha. Um trabalho coletivo, como prefere definir.
“A Marcha sempre foi coletiva e acontece a partir de vários movimentos, várias instituições. Ela não surge a partir do pensamento isolado de uma pessoa. É um conjunto de mulheres que pensam toda a estrutura, que organizam isso de maneira global”.
Adriana conta que, dez anos atrás, atuou nos bastidores para que a Marcha ocorresse, mas acabou não indo a Brasília: “Atuei na construção aqui em São Paulo, mas não fui porque a saúde me impediu”.
Apesar disso, ela afirma que traz a bagagem do que aprendeu em 2015 para os dias de hoje. “Essa vivência eu acabo trazendo, as vivências das mulheres negras, vivências do que participamos”.
Para ela, na década passada, foi muito importante a questão do matriarcado, “que é muito forte para nós. Isso eu também trago de dentro da Marcha, que confirma nossa experiência a partir desse lugar. Trago a coletividade, o cuidado e a segurança”.
Um evento como a Marcha, do tamanho que tem e com os objetivos que pretende alcançar, não é algo simples de se organizar. Tanto assim que esta é apenas a segunda edição.
“É difícil porque, na verdade, é preciso ter recursos para levar as mulheres. Recursos para chegar até Brasília. Nossa grande questão é garantir que essas mulheres cheguem à Marcha. Nós sabemos que ela é algo para a nossa sobrevivência”.
Para Adriana, a marcha precisa garantir a participação das mulheres: “temos de garantir as mulheres em Brasília. A Marcha acontece durante a semana, muitas delas trabalham, são mães solo, então não é pouca coisa o que temos de fazer. Elas têm o direito de estar na marcha para poder gritar: ‘nós existimos’”.
E, para que isso aconteça, há a necessidade de ter condições dignas em Brasília: “elas precisam se alimentar, ter alojamento, tomar banho e até a segurança na própria caminhada. Essa estrutura é extremamente necessária”.
Ajuda
Assim, para viabilizar o grande número de participantes o comitê organizador precisou de ajuda. “Contamos com o apoio de emenda parlamentar através do mandato da deputada federal Erika Hilton”, revela.
Parte da verba disponibilizada por Hilton vai bancar o transporte das mulheres. Das 350 que devem partir de São Paulo, 70 irão de avião. As demais serão distribuídas em cinco ônibus, um deles cedido pelo Sindicato dos Especialistas em Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp).
“Destinamos parte do recurso para os ônibus, para garantir uma participação maior. Não conseguiríamos isso com passagens aéreas, que são mais caras”.
A organização deu preferência ao uso do avião para as mulheres mais velhas, ou com redução de mobilidade ou alguma deficiência.
“Também priorizamos aquelas que trabalham em regime CLT, que não conseguiriam se afastar tanto tempo do trabalho. Mães de crianças pequenas também”.
Marcha sem fim
O simbolismo da Marcha é muito forte para Adriana: “ela simboliza a luta, simboliza as mulheres negras organizadas em luta pelo direito à existência com dignidade. É a luta por reparação e bem viver. Sabemos quem somos porque sabemos de onde viemos e para onde voltaremos”.
Para a organizadora, o contexto político atual justifica “em tempos em que a extrema direita avança, o conservadorismo avança e os direitos, principalmente, das mulheres acabam em processos de perda”. Para Adriana, “estamos falando do reconhecimento da cultura negra no que diz respeito à sua ancestralidade. É uma luta para que nossa existência passe por uma forma de pensar afrocentrada”.
A grandeza da Marcha não termina no fim da caminhada. Segundo Adriana, “nossa preocupação é como continuamos essa luta em segurança. Estamos falando de um movimento que luta pela sobrevivência dessas mulheres. Tem um antes, tem o dia da Marcha e tem o retorno aos nossos territórios”.





