As girafas estão entre os animais mais conhecidos do mundo. Com seus pescoços alongados e pernas longas, seus movimentos graciosos e padrões de pelagem exclusivos, elas inspiram a imaginação das pessoas há séculos.
Mas será que uma girafa é apenas uma girafa? Ou será que há mais variedade entre os animais em nível genético do que é evidente apenas olhando para eles?
Por mais de uma década, muitos pesquisadores compararam o DNA de girafas de todas as partes da África. Esses estudos revelaram que existem quatro espécies distintas de girafas: a girafa do sul (Giraffa giraffa), a Masai (Giraffa tippelskirchi), a reticulada (Giraffa reticulata) e a girafa do norte (Giraffa camelopardalis).
Diferentes espécies de girafas enfrentam riscos diferentes. Algumas estão entre os mamíferos de grande porte mais ameaçados do mundo. Enquanto a girafa do sul e a girafa Masai são relativamente numerosas e suas populações estimadas em aproximadamente 45.000 e 50.000 indivíduos, respectivamente, a situação não parece tão favorável para a girafa reticulada e a girafa do norte. Com base nas estimativas mais recentes da Giraffe Conservation Foundation (GCF), apenas 16.000 e 6.000 indivíduos, respectivamente, permanecem na natureza.
Portanto, é fundamental verificar se há de fato espécies diferentes de girafas ou não, para que os esforços diretos de conservação das espécies mais ameaçadas possam ser aumentados antes que seja tarde demais.
O conceito de espécie é fundamental na biologia, mas não há consenso sobre sua definição. Há muitas abordagens diferentes dependendo dos pontos de vista de cada cientista. A melhor maneira possível de esclarecer a taxonomia (o sistema que organiza as entidades vivas em grupos) dos organismos é por meio de várias abordagens.
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Houve vários estudos de espécies de girafas com base em seu DNA, bem como em sua ecologia, comportamento, saúde e padrões de pelagem.
Mas ainda não há muitos estudos baseados em seus crânios. É aí que entra nosso novo estudo. Ao examinar os crânios de mais de 500 girafas de todo o continente africano, conseguimos mostrar que há diferenças significativas nos formatos dos crânios dos diferentes tipos de girafa e confirmar que existem quatro espécies.
Essas novas descobertas são cruciais para a taxonomia das girafas e, em última análise, para sua conservação.
Como o estudo foi feito
Os crânios das girafas são importantes para a reprodução e evolução dos animais. Isso se deve aos ossicones, estruturas semelhantes a chifres que são mais longas e mais largas nos machos do que nas fêmeas.
O tamanho e a forma dos ossicones são importantes para a dominância dos machos e seu sucesso no acasalamento com as girafas fêmeas. Embora alguns dados preliminares já sugerissem algumas possíveis diferenças na morfologia do ossículo entre as espécies de girafa, as limitações dos espécimes disponíveis e as metodologias da época reduziram a validade dos resultados.
Para nossa pesquisa, usamos equipamentos e metodologias de última geração e estudamos mais de 500 crânios de girafas de toda a África. Os crânios foram coletados diretamente no campo em toda a sua área natural na África, bem como em coleções de museus, escritórios de autoridades de vida selvagem e taxidermistas em diferentes países da África, Europa e EUA.
Esse estudo extenso exigiu a ajuda de muitos parceiros diferentes. Embora o projeto tenha sido iniciado e orientado pela Giraffe Conservation Foundation e pela Universidade da Cidade do Cabo, muitos colegas da África, Europa e América do Norte contribuíram.
Usamos um scanner 3D portátil para capturar o formato dos crânios em 3D. Em seguida, usamos métodos morfométricos geométricos 3D para comparar o formato dos crânios das girafas e descobrir se poderíamos agrupá-los e encontrar diferenças significativas. Escolhemos os chamados pontos de referência – pontos específicos nos crânios – e capturamos suas coordenadas no espaço (sua distância 3D do centro de massa do crânio).
Por fim, um software especializado foi usado para comparar as diferenças nas coordenadas dos pontos de referência entre nossos espécies e realizar análises estatísticas para mostrar se essas diferenças eram significativas ou não.
Variações no crânio
Essas análises rigorosas nos permitiram mostrar variações no crânio entre quatro espécies.
Essas diferenças se referiam principalmente aos ossicones. Mas também houve pequenas diferenças na face, nas órbitas oculares, na região ao redor dos dentes e na parte posterior do crânio.
A diferença mais marcante dizia respeito ao ossículo mediano dos machos. Esse é um terceiro ossículo menor situado na linha média do crânio, acima dos olhos. Determinamos que há uma tendência geral no tamanho e no formato desse ossículo que segue a geografia e a taxonomia. Na girafa do sul, o terceiro ossículo é praticamente uma pequena protuberância; na girafa do norte, ele é grande e pontiagudo; a girafa Masai e a girafa reticulada têm ossículos que estão em algum lugar entre essas duas formas.
Essas diferenças provavelmente são importantes na maneira como os indivíduos de uma espécie se reconhecem, afetando assim seu sucesso reprodutivo. Os machos com ossículos mais desenvolvidos intimidam seus rivais para obter acesso ao território e às fêmeas.
Atenção para espécies individuais
Nosso estudo confirma o que os cientistas já sabem há quase uma década e apoia a divisão taxonômica da girafa.
Discussões semelhantes ao longo de duas décadas finalmente resultaram na divisão do elefante africano em duas espécies distintas em 2021.
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) – que, é importante ressaltar, não é uma autoridade taxonômica – ainda reconhece apenas uma espécie de girafa. Ela agrupa todas as girafas em uma categoria ampla e ameaçada da Lista Vermelha.
Acreditamos firmemente que a IUCN precisa defender esses animais e reavaliar seu status. É hora de cada espécie de girafa receber atenção separada e aprimorada, tanto local quanto internacionalmente, especialmente no que diz respeito à sua conservação. As girafas e seus habitats selvagens devem ser protegidos antes que seja tarde demais.