Ir à escola na África: uma prática arriscada para milhões de crianças

por Global Voices
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Ir à escola na África: uma prática arriscada para milhões de crianças

A educação tem um papel fundamental no desenvolvimento socioeconômico de todos os países. Na África, o acesso à educação continua desigual e negligencia a grande maioria dos jovens. Essa situação se deve em parte a dois problemas: a segurança e a situação econômica da profissão de professor.

Após o início do ano letivo de 2024-2025, várias crises eclodiram no setor de educação em nível continental: greves frequentes alimentadas por reivindicações sindicais por melhores salários e condições de trabalho, falta ou atraso nas reformas dos programas educacionais para garantir uma correspondência entre formação e emprego, crises de saúde e segurança. A Global Voices fez uma pesquisa em três países para avaliar a extensão das dificuldades: Camarões, República Democrática do Congo e Togo.

Em Camarões, a divisão entre francófonos e anglófonos deixa 700.000 crianças fora da escola

Em Camarões, país oficialmente francófono e anglófono, a crise é dupla. As reivindicações sindicais complicam a frequência escolar de mais de três milhões de alunos do ensino fundamental e médio. Essas demandas são basicamente financeiras:  pagamento de salários e subsídios de moradias e reavaliação salarial; e estatutárias: integração efetiva de professores ao serviço público para que assumam o cargo logo após o curso de formação. O salário mensal dos professores é de 153.316 francos CFA (259 dólares americanos), enquanto a renda média mensal é de 83.902 francos CFA (141 dólares americanos).

Mas o aspecto da segurança é o principal obstáculo ao acesso à escola para todos. Em 2016, iniciou o conflito armado contra o governo dos grupos separatistas nas regiões do noroeste e sudoeste. A marginalização e a exclusão das populações dessa parte do país, predominantemente de língua inglesa, em benefício da parte de língua francesa, são a base principal desse conflito, que tem um impacto especialmente na educação das crianças.

Como resultado, desde 2016, a educação no noroeste e no sudoeste de Camarões tem sido problemática: em 24 de outubro de 2020, crianças foram vítimas dessas tensões quando um massacre em uma escola resultou na morte de oito crianças.

Para o novo ano acadêmico, a situação não parece estar se acalmando. Valentine Semma, presidente do sindicato dos professores de Camarões disse a Radio France Internationale (RFI):

Cela fait presque huit ans d’affilée que la crise a débuté dans les régions nord-ouest et sud-ouest du Cameroun, dans le cadre de la lutte pour la réforme du système éducatif et plus particulièrement celui du système éducatif anglais. Depuis, les enseignants de ces deux régions ont fait l’objet de très sérieuses menaces. Nombre d’entre eux ont perdu la vie, ont été kidnappés. Un confinement nous a été imposé pour environ deux semaines. On n’est pas censé aller à l’école, les enfants doivent rester à la maison. Ils ne pourront commencer les cours qu’à partir du 2 octobre. (…) L’école devrait être un endroit libre. L’environnement scolaire, les apprenants, les enseignants, ne devraient être soumis à aucune forme de menaces ou préjudices.

Quase oito anos se passaram desde que a crise começou nas regiões noroeste e sudoeste de Camarões, no contexto da luta pela reforma do sistema educacional e, mais especificamente, do sistema educacional inglês. Desde então, os professores dessas duas regiões têm sofrido ameaças muito sérias. Muitos foram mortos ou sequestrados. Estamos trancados há cerca de duas semanas. Não podemos ir à escola, as crianças têm de ficar em casa. Elas só poderão começar a frequentar a escola em 2 de outubro. (…) A escola deve ser um lugar livre. O ambiente escolar, os alunos e os professores não devem ser ameaçados ou prejudicados de forma alguma.

Os impactos são palpáveis: as escolas fecham e os alunos são privados de seu direito à educação. O site Yenisafak identificou 700.000 crianças que faltam à escola. A longo prazo, as repercussões dessa crise ameaçam o desenvolvimento do país.

República Democrática do Congo, desafio triplo

Na República Democrática do Congo, as aulas começaram em 2 de setembro, mas o ano acadêmico corre o risco de ser muito difícil: uma ameaça tripla ao direito das crianças congolesas à educação.

Por um lado, a crise de saúde ligada à varíola dos macacos, já presente em todo o país, é uma ameaça: foram registradas 700 mortes desde o início de setembro. As autoridades asseguram que o país tomou todas as medidas necessárias para garantir um melhor ambiente educacional para as crianças em idade escolar. Um artigo da Radio France Internationale (RFI) cita Raïssa Malu, ministra da Educação da República Democrática do Congo, nesses termos:

Je voudrais vous rassurer qu’il y a une étroite collaboration avec le ministère de la Santé pour s’assurer que nos écoles restent sûres. Que les conditions soient assurées pour nos élèves au sein de l’ensemble de nos établissements. Le ministère de la Santé va diffuser un ensemble de messages que notre administration va relayer. Il est notamment recommandé aux écoles, aux parents et aux élèves d’observer les mesures barrières.

Gostaria de assegurar-lhes que estamos trabalhando em estreita colaboração com o Ministério da Saúde para garantir que nossas escolas continuem seguras. Que as condições sejam adequadas para nossos alunos em todas as nossas escolas. O Ministério da Saúde emitirá uma série de mensagens que serão transmitidas por nossa administração. Em particular, as escolas, os pais e os alunos são aconselhados a observar as medidas de barreira.

Leia mais: União Africana está preocupada com a disseminação da varíola dos macacos no continente  

Além disso, há outro problema: as condições precárias em que vivem os professores congoleses. A maioria dos professores ganha menos de US$ 140 por mês e estão exigindo um aumento de 400%. Cécile Tshiyombo, presidente do sindicato dos professores do Congo (Syeco), disse à RF:

Il n’y a pas classe. Que le chef de l’État s’en occupe puisque ça devient peut-être une question politique sinon il y a une batterie d’actions qui vont être déroulées. L’enseignant craie à la main souffre. Aujourd’hui, les enseignants exigent à ce que le gouvernement leur verse 500 dollars. Nous avions préféré avoir un dialogue, mais il n’y a pas eu de dialogue.

Não haverá aulas. Deixe o chefe de estado lidar com isso, porque pode se tornar uma questão política, ou então uma série de medidas será tomada. Os professores, com o giz na mão, estão sofrendo. Hoje, os professores estão exigindo que o governo lhes pague US$ 500. Teríamos preferido o diálogo, mas não houve diálogo.

A ameaça foi cumprida e desde meados de setembro os professores estão em greve, especialmente em Butembo e Beni em Quivu do Norte no nordeste do país.

Finalmente, outra crise impede uma vida normal para professores e alunos. As consequências da crise de segurança que agita o leste do país em razão dos ataques do grupo rebelde M23. Nesse contexto de insegurança nas zonas ocupadas pelo M23, as escolas continuam como refúgio para os desabrigados, enquanto as autoridades do país ordenam a retomada das aulas. Balira Kakule, diretor da escola primária de Muchungaji, na cidade de Lubero, em Quivu do Norte, disse ao Congo Quotidien:

Certains déplacés ont exprimé le droit des enfants à l’éducation. Ils vont partager les salles de classe avec nos élèves. Le matin, ils plient leurs affaires et les salles de classe sont nettoyées pour les cours.

Algumas pessoas deslocadas expressaram o direito de seus filhos à educação. Elas compartilharão as salas de aula com nossos alunos. Pela manhã, elas retiram seus pertences e as salas de aula são limpas para as aulas.

Esta situação não agrada os sindicatos que manifestaram seu descontentamento e apelaram ao boicote.

Leia mais: Quem são os rebeldes do Movimento 23 de Março no leste da República Democrática do Congo?

Laptops proibidos no Togo

No Togo, as crianças voltaram às aulas em 16 de setembro. Os sindicalistas, por meio da Coordenação dos Sindicatos de Professores de Togo (CSET), em uma mensagem de 12 de setembro de Abalo-Essé Assih, secretário-geral, lembraram:

(…) nous voudrions évoquer le maintien du dialogue entre le Gouvernement et les fédérations de l’éducation, le renforcement du système éducatif en termes de qualité de l’enseignement, […] bref, les grandes réformes structurelles et fonctionnelles engagées par le Gouvernement pour faire du milieu scolaire togolais, un cadre attractif, favorable à une formation rigoureuse et de qualité pour des résultats crédibles.

(…) queremos mencionar o diálogo permanente entre o governo e as federações de educação, o fortalecimento do sistema educacional em termos de qualidade de ensino. […] em suma, as grandes reformas estruturais e funcionais empreendidas pelo governo para tornar o ambiente escolar togolés um ambiente atrativo, propício para uma formação rigorosa e de qualidade para obter resultados incríveis.

Sobre a proibição de usar telefones portáteis ordenada pelas autoridades, Abalo-Essé Assih disse:

Chers élèves,(…) observez scrupuleusement la discipline (…) par rapport à l’usage du téléphone portable en milieu scolaire et évitez d’être une proie facile pour des personnes mal intentionnées qui utilisent les réseaux sociaux pour vous attirer dans leurs pièges.

Caros alunos, (…) observem a disciplina (…) quanto ao uso de telefones celulares nas escolas e evitem ser presas fáceis de pessoas mal-intencionadas que usam as redes sociais para atraí-los para armadilhas.

As autoridades togolesas já recorreram a essa medida no ano letivo de 2018-2019, mas a proibição teve vida curta.

Diante dos recentes incidentes ocorridos no norte do país em 20 de julho de 2024, após um ataque jihadista que matou mais de dez militares, segundo o jornal Le Monde, permanecem as preocupações com a segurança das escolas.

No início do ano letivo de 2024, a taxa de matrícula do Togo era de 94,6 % no ensino fundamental. No ensino médio, a taxa era de 76,6% no primeiro ciclo e de 35,2 % no segundo ciclo, de acordo com os números de 2023. Em Camarões, a taxa de matrícula em 2022 foi de 66% para meninas e 73% para meninos no nível primário, e é inferior a 50% no nível secundário. Na República Democrática do Congo, os números mais recentes remontam a 2021, com uma taxa de matrícula no nível primário de 79% para meninas e 86% para meninos. Na escola secundária, a taxa é de 44% para meninas e 70% para meninos.

De acordo com o site da ONU Info: 

Près de 98 millions d’enfants en âge d’être scolarisés ne vont pas à l’école. De plus, 9 enfants scolarisés sur 10 ne peuvent pas lire et comprendre un texte simple à l’âge de 10 ans.

Quase 98 milhões de crianças em idade escolar não vão da escola. Além disso, nove em cada 10 crianças que frequentam a escola não conseguem ler nem entender textos simples até os 10 anos de idade.

Portanto, ir à escola continua sendo um grande desafio para todos na África.

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