Um dos cartazes levados por indígenas em marcha diz: “Emergência climática, a resposta somos nós” .Foto: Alberto César Araújo/ Amazônia Real/Usada com permissão
Este texto foi escrito por Nicoly Ambrosio e publicado originalmente no site da Amazônia Real em 12 de novembro de 2025. Ele é republicado aqui em um acordo de parceria com o Global Voices, com edições.
Durante um debate realizado na Zona Azul da COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a cientista e autoridade climática Sineia do Vale, também conhecida como Sineia Wapichana, afirmou que o primeiro passo para uma política climática efetiva é garantir os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios. E a razão é simples: eles podem ser parte da solução porque são capazes de unir, na prática, os conhecimentos tradicionais e científicos.
Em 2025, a edição da COP é realizada em Belém, no estado do Pará, região norte do Brasil, entre os dias 10 e 21 de novembro. A capital, que tem mais de 400 anos de história, é considerada uma porta de entrada para a região da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, presente nos territórios de nove países.
Sineia fala também como co-presidenta do Caucus Indígena, grupo que reúne representantes indígenas em fóruns intergovernamentais, representante oficial dos povos indígenas pela Presidência da COP30 e coordenadora do Departamento de Gestão Territorial, Ambiental e Mudanças Climáticas (DGTAMC) do Conselho Indígena do estado de Roraima (CIR). Ela atua há mais de 30 anos usando a ciência dos povos tradicionais para proteger a Amazônia de eventos climáticos extremos.
“A gente vem medindo toda essa questão das mudanças climáticas e estamos trabalhando com a adaptação dos povos indígenas”, afirmou em entrevista exclusiva à Amazônia Real.
No dia 12 de novembro, Sineia conduziu o evento “Dos territórios para o mundo – e de volta: caminhos indígenas para a adaptação às mudanças climáticas”, com participação do NICFI/Ministério do Meio Ambiente da Noruega, UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), Fundo Verde Para o Clima, Elatia (Parceria Global de Povos Indígenas por Mudanças Climáticas, Florestas e Desenvolvimento Sustentável) e da organização Tenure Facility.
“Construímos os nossos planos de enfrentamento à mudança climática, para que realmente eles sejam implementados, principalmente pelo Plano Clima do Brasil, para mostrá-los como soluções”, afirmou a cientista.
Segundo ela, as comunidades observam os impactos das altas temperaturas, secas, cheias e queimadas, e constroem planos próprios de enfrentamento, articulando ciência indígena em diálogo com as instituições não-indígenas, como o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). A tradição legou a eles soluções baseadas nos seus próprios sistemas de conhecimento.
Indicadores naturais de adaptação
Marcha Mundial dos Povos Indígenas pelas ruas de Belém, evento paralelo à COP30, em 17 de novembro de 2025. Foto: Alberto César Araújo/ Amazônia Real/Usada com permissão
Os povos originários se baseiam em indicadores naturais para avaliar os impactos da crise climática. Os sinais estão na floresta, nas plantas e nas águas. O canto dos pássaros, que fazem parte dos calendários etnológicos, e os ciclos de plantio e colheita também ajudam os indígenas a monitorarem as mudanças climáticas. Eles são capazes de observar e compreender o comportamento de uma planta chamada aninga, abundante e que cresce às margens de rios, igapós e igarapés amazônicos, que indica as cheias e secas dos rios, podendo prevenir desastres.
“São esses indicadores naturais que estamos buscando cada dia mais a orientação, a observação, para que o povo indígena possa continuar fazendo toda essa manutenção da biodiversidade, da floresta, da água”, explicou a cientista. Ao relatar exemplos de mudanças drásticas no clima, ela mencionou o caso do estado de de Roraima, onde o bioma lavrado sofreu queimadas severas em 2024, afetando 80% da área.
No início de 2024, os focos de queimadas em Roraima, norte do Brasil, bateram recordes históricos. Entre 1º e 23 de fevereiro, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectou 1.692 focos, um número superior aos 1.347 de fevereiro de 2007, o maior até então desde que o órgão federal começou a detectar focos de queimadas na Amazônia. No comparativo o aumento no período foi de 449%.
“Quando tem essa queimada drástica, ela acaba com a biodiversidade que nós temos ali. As plantas medicinais, vários tipos de pássaros que moram nesse ecossistema. Isso para nós é muito impactante dentro das comunidades indígenas”, observou Sineia Wapichana..
A perda de biodiversidade e de espécies vegetais, como o buriti, representa para os povos indígenas um dano profundo e irreparável. “Quando um pé de buriti é queimado, para algumas pessoas pode não ter nenhum valor, mas para nós é uma planta significativa. Tem as palhas que fazem a casa, o fruto que alimenta, e uma conexão espiritual com a floresta, com a água e com os animais que os povos indígenas têm de longa convivência”, contou ela.
Presença indígena contra o aquecimento
Brigadista Indígena Ana Paula Wapichana. Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025/Usada com permissão
Brigadista indígena do seu povo, Ana Paula Wapichana atua em uma brigada comunitária indígena em Roraima e tem dedicado seu trabalho às práticas de manejo do fogo e à prevenção de queimadas em territórios indígenas. Durante conversa com a reportagem, ela destacou que o tema da adaptação climática é um desafio urgente para os povos indígenas.
“A gente está aqui para buscar soluções, buscar um sim para conter as mudanças climáticas que estão acontecendo. Queremos que o mundo fique em alerta, que isso não aconteça mais, buscamos melhorar, para futuramente nossos filhos, nossas crianças possam viver melhor”, afirmou.
A brigadista explicou que seu trabalho se concentra na técnica de queima prescrita, usada como forma de controle e prevenção dos incêndios florestais, especialmente no lavrado de Roraima, um dos biomas mais afetados pelas secas e queimadas dos últimos anos.
Apesar de sentir falta de mais representantes indígenas da Amazônia nas mesas de decisão, a brigadista reforçou o sentido coletivo da presença indígena na COP30. “Entendo que cada um de nós representa nossos povos. Sei que não havia credencial para todo mundo, mas estamos aqui mostrando a realidade de quem ficou fora também”, disse.
Mitigação e adaptação
Sineia do Vale, cientista e autoridade climática. Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025/Usada com permissão
Durante sua fala ao público-geral, Sineia do Vale ressaltou a urgência de garantir a presença e a escuta dos povos indígenas nos espaços de decisão sobre o clima, além do financiamento para continuarem com seu trabalho de mitigação dos impactos da crise climática.
“Precisa de financiamento para continuar fazendo o que os povos indígenas sempre fizeram voluntariamente. Os fundos são mecanismos para os quais estamos nos preparando, principalmente, para ter os recursos direto para implementação dos temas que nós já estamos tratando, que é de adaptação, mas que as terras indígenas também são mitigação, porque fazemos esses dois trabalhos sem desconectar”, afirmou.
O painel realizado na COP30, acompanhado pela Amazônia Real, buscou criar um espaço de diálogo estratégico voltado à construção de políticas e mecanismos que assegurem financiamento direto para ações de adaptação climática conduzidas pelos próprios povos indígenas em seus territórios. Entre os encaminhamentos esperados estão a elaboração de recomendações políticas práticas direcionadas à UNFCCC, à Meta Global de Adaptação (GAA) e aos planos nacionais de adaptação, além da formulação de caminhos éticos e equitativos para incluir os povos indígenas em mecanismos de financiamento climático.









