Seis em cada dez mulheres que foram vítimas de violência sexual antes dos 14 anos relataram em uma pesquisa online que não contaram para ninguém sobre o abuso.
O dado alarmante sobre a subnotificação da violência sexual na adolescência faz parte do levantamento Percepções sobre Direitos de Meninas e Mulheres Grávidas Pós-Estupro, feito pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Locomotiva e divulgado na última terça-feira (30). Responderam ao questionário online 1,2 mil pessoas com mais de 16 anos, de todas as regiões do país.
Somente 27% dessas meninas confiaram em algum familiar após terem sido vítimas de violência sexual antes dos 14 anos, e é ainda menor o percentual de casos que chegou às autoridades policiais e aos serviços de saúde: apenas 15% foram levadas a uma delegacia e 9% foram acolhidas e avaliadas em uma unidade de saúde.
A pesquisa mostra que, entre as meninas e mulheres que sofreram a violência sexual a partir dos 14 anos, também são altos os percentuais de subnotificação e desamparo. Nesses casos, apenas 11% procuraram a polícia, e 14%, um serviço de saúde.
Outro dado que a pesquisa destaca é que 60% dos cerca de 1,2 mil entrevistados disseram conhecer um caso de criança ou adolescente com menos de 14 anos que foi estuprada, e 30% afirmaram ter conhecimento de um caso em que a vítima engravidou.
>> Siga o canal da Agência Brasil no WhatsApp
Conhecimento sobre estupro
A pesquisa também mediu a concordância dos entrevistados com algumas afirmações sobre violência sexual e o quanto eles estão informados sobre os direitos e serviços disponíveis às vítimas.
Eles foram perguntados, por exemplo, se diversas situações configuram ou não estupro. Todas são classificadas como estupro pela legislação brasileira.
Apesar de 95% dos entrevistados reconhecerem ao menos uma das violências sexuais apresentadas, apenas 57% sabiam que todas elas se tratam de casos de estupro.
Veja abaixo os percentuais de entrevistados que reconheceram que cada uma das situações citadas configura um caso de estupro:
- “Um homem fazer sexo com uma mulher inconsciente, bêbada ou drogada”: 89%;
- “Um homem obrigar uma mulher a fazer relação sexual”: 88%;
- “Um homem fazer sexo com uma mulher com grave deficiência mental”: 87%;
- “Um homem se aproveitar da sua condição profissional (médico, pastor, etc) para ter relação sexual com a mulher”: 86%;
- “O marido / parceiro obrigar a mulher a práticas sexuais (sexo oral, anal etc) que ela não quer”: 85%;
- “O marido / parceiro obrigar a mulher a fazer sexo quando ela não quer”: 84%;
- “Um homem fazer sexo com uma menina (até 13 anos) mesmo que ela autorize”: 80%;
- “O marido / parceiro obrigar a mulher a fazer sexo sem preservativo quando ela quer usar”: 73%;
- “Um homem tirar o preservativo durante o sexo sem a mulher perceber ou consentir”: 70%.
Aborto legal
Quase a totalidade dos entrevistados ─ 96% ─ considera que meninas de até 13 anos não têm preparo físico e emocional para ser mães. E, para dois em cada três, meninas dessa faixa etária também não têm condições de decidir se serão mães.
Apesar disso, apenas 41% reconhecem que uma gestação nesses casos é sempre resultado de um estupro. A lei brasileira considera os 14 anos como a idade mínima para o consentimento sexual.
Por isso, toda relação sexual com crianças menores de 14 anos caracteriza estupro de vulnerável, o que concede o direito à interrupção legal da gravidez, quando houver. No entanto, apenas 56% dos entrevistados sabem que o procedimento é autorizado nesses casos.
Três em cada quatro entrevistados declararam ter conhecimento de que o aborto está dentro da lei nos casos de ameaça à vida das gestantes (76%), anencefalia fetal (75%) e estupro (75%).
A pesquisa também perguntou às mulheres se elas gostariam de ter o direito de interromper uma gestação decorrente de estupro: 70% responderam que gostariam de ter essa opção e 56% afirmam que fariam o procedimento.