Essa entrevista, feita por Elida Zylbeari, foi publicada primeiro no Portalb.mk. Uma versão editada é republicada aqui sob um acordo de compartilhamento de conteúdo entre a Global Voices e a Metamorphosis Foundation.
Aidan White é o fundador da Rede Ética de Jornalismo (Ethical Journalism Network – EJN) e foi secretário da Federação Internacional dos Jornalistas (International Federation of Journalists – IFJ) por 25 anos. Ele trabalhou extensivamente como jornalista e advogado dos direitos humanos, da ética e da liberdade de imprensa. Além disso, White teve um papel fundamental na criação de iniciativas globais como IFEX e INSI, participou em nomeações dos painéis do IMPRESS em 2014, e editou reportagens influentes através da Rede Ética de Jornalismo sobre tópicos como: liberdade de imprensa, corrupção e jornalismo na era da pós-verdade. Ele se tornou o diretor da Rede Ética de Jornalismo em 2018 e presidente honorário em 2021.
Nessa entrevista White discute a atual falta de confiança global na imprensa e o que pode ser feito sobre isso. O texto foi editado devido à limitação de espaço e clareza.
Portalb.mk: Por que existe essa falta de confiança na imprensa na atualidade?
Aidan White (AW): We live in a time where there’s a major problem with trust, not because the public or the world at large is specifically against journalism, but because of how people receive information today. There is an incredible amount of bias, propaganda, and abusive communication, particularly through social networks. People are confused and uncertain about what is true and what isn’t. As a result, they no longer trust information, even when it is well-researched or produced by scientists and credible researchers, which is vital for understanding the world.
This lack of trust stems from several factors. One is the changing nature of communication itself. There is an overwhelming amount of disinformation, abusive content, unethical and factually incorrect information, malicious lies, and propaganda everywhere. This creates a chaotic information environment.
Politically, we see governments and various actors using information networks to spread deceptive information and abusive communications. This interference affects democratic processes, such as elections. As a result of this information chaos, people have changed — they now have less trust in external information sources and instead rely on their close, personal networks for information. This includes friends, neighbors, and community groups like those on WhatsApp. This shift to narrow, localized communities for news and information has created a broader trust problem, which is very dangerous. The danger lies in the potential for malicious information to have an undue influence on society. For instance, it has become very easy to spread hate speech, incite violence, and escalate tensions, especially during times of conflict or economic decline. Media plays a crucial role in combating this. Professional journalism has a social responsibility to provide trustworthy information to the public.
Aidan White (AW): Vivemos em um tempo em que existe um problema generalizado com a confiança, não porque o público ou o mundo estejam especificamente contra o jornalismo, mas, pela forma como as pessoas recebem informação hoje em dia. Existe uma enorme quantidade de informações enviesadas, propaganda e comunicação abusiva, principalmente nas redes sociais. As pessoas estão confusas e incertas sobre o que é verdade e o que não é. E o resultado é que elas não confiam mais nas informações, mesmo quando são frutos de pesquisas bem feitas ou produzidas por cientistas e pesquisadores sérios, o que é vital para compreender o mundo.
Essa falta de confiança se dá por vários motivos. Um deles é a mudança natural da própria comunicação. Existe uma quantidade esmagadora de desinformação, conteúdo abusivo, informações antiéticas e factualmente incorretas, mentiras maliciosas e propaganda em todo lugar. Isso cria um ambiente caótico de informações.
Na política, vemos governantes e outros atores usando redes para espalhar informações enganosas e outras formas de comunicações abusivas. Essa interferência afeta processos democráticos, como as eleições. Como resultado desse caos informativo, as pessoas mudaram, agora elas têm menos confiança em fontes externas de informação e tendem a se apoiar nas suas redes pessoais de relacionamento para obter informação. Isso inclui amigos, vizinhos e comunidades em grupos de WhatsApp. Essa mudança para comunidades menores e mais restritas na busca por notícias e informações criou um problema ainda maior de confiança, o que é muito perigoso. O perigo reside no potencial para informações maliciosas terem uma excessiva influência na sociedade. Como exemplo, vemos que se tornou muito fácil espalhar discurso de ódio, incitar a violência e escalar tensões, especialmente durante tempos de conflito ou declínio econômico. A mídia tem um papel crucial no combate desses problemas. O jornalismo profissional tem a responsabilidade social de prover informações confiáveis ao público.
Portalb.mk: Mas a mídia provou o suficiente que é de confiança ? E aqui estou falando especificamente da mídia profissional.
AW: Many in the media might believe they have done so, but I don’t think they have. They haven’t proven it convincingly. Take the United States as an example. The professional media in the US thought they were telling the truth — and they were, to a great extent. They reported the truth about Donald Trump: his misogyny, his racism, his alleged law-breaking, his unreliability, and all the trials he faced. However, despite their truth-telling, many people still voted for him.
AW: Muitos na mídia talvez acreditem que fizeram o suficiente, mas eu não acho que fizeram. A mídia não provou de forma convincente. Tomemos os Estados Unidos como exemplo. As mídias profissionais nos EUA, embora estivessem falando a verdade, e estavam, em sua maioria. Foram reportadas verdades sobre Donald Trump: sua misoginia, seu racismo, as alegadas quebras de lei por parte dele, o fato de ele não ser confiável, e todos os julgamentos que ele enfrentou. Entretanto, apesar da mídia ter revelado a verdade, muitas pessoas ainda votaram nele.
Portalb.mk: Porque?
AW: Because while the media focused on exposing Trump’s flaws, they failed to connect with the realities of the voters’ lives. Many voters didn’t care about the accusations against Trump. For them, the truth about Trump was secondary. What mattered more was their belief that he could improve their lives economically or support their families. Many of these voters were from lower socio-economic backgrounds, and the media overlooked their priorities. This was the media’s mistake. Truth-telling alone is not enough. The American media learned an important lesson: it is essential not just to report the truth but to connect with people, to understand their perspectives and motivations. Without that connection, even the most accurate reporting will fail to resonate.
AW: Por que apesar de a mídia ter focado em expor as falhas de Trump, falhou ao se conectar com as realidades que os eleitores vivem. Muitos eleitores não se importam com as acusações contra o Trump. Para eles, a verdade sobre o Trump é secundária. O que importa mais é a crença deles de que seu governo poderia melhorar suas vidas economicamente ou ajudar suas famílias. Muitos desses eleitores são de um cenário socioeconômico mais baixo, e a mídia negligenciou suas prioridades. Esse foi o grande erro da mídia. Contar a verdade por si só não é o suficiente. A mídia americana aprendeu uma lição importante: é essencial não só reportar a verdade, mas, também, conectar-se com as pessoas para entender suas perspectivas e motivações. Sem essa conexão, mesmo a reportagem mais acurada vai falhar em ressoar.
Portalb.mk: Em um dos seus discursos você mencionou que a mídia se tornou elitista, ou que existe um perigo de a mídia se tornar elitista. Você pode elaborar esse tópico?
AW: Absolutely. One of the problems with journalism today is the divide between the media and the general public. Elitist media figures often believe they understand the world better than the public and have the authority to tell people how and what to think. This attitude is dangerous.
News media and journalists should not be elitist; they should be part of society. They need to understand all levels of the social pyramid — how people live, work, and think. When media fails to connect with people at the bottom of the pyramid, those people will ignore them. This disconnect is what happened in the US and in many elections worldwide.
This year, we’ve seen a wave of elections globally, and in almost every case, voters have sent strong messages to existing governments. This happened in France, Britain, across Europe, and the US. These outcomes highlight how poorly media has been connecting with the public, leading to a dangerous erosion of trust.
Media needs the public’s trust to function effectively. To regain it, media must be transparent, accountable, and connected to the people they serve.
AW: Certamente. Um dos problemas com o jornalismo nos dias de hoje é a divisão entre a mídia e o público em geral. Figuras elitistas da mídia frequentemente acreditam que entendem o mundo melhor que o público e que têm a autoridade de dizer para as pessoas o que pensar. Essa atitude é perigosa.
Os canais de mídia e os jornalistas não deveriam ser elitistas; eles devem ser parte da sociedade. Eles precisam entender todos os níveis da pirâmide social, como as pessoas vivem, trabalham e pensam. Quando a mídia falha em se conectar com pessoas na base da pirâmide, essas pessoas a irão ignorar. Essa desconexão é o que aconteceu nos EUA e em várias eleições no mundo.
Esse ano, nós vimos uma onda de eleições no mundo, e em quase todos os casos, os eleitores mandaram uma mensagem forte para os governos existentes. Isso aconteceu na França, Inglaterra, através da Europa e dos EUA. Esses resultados realçam o quão precária tem sido a conexão da mídia com o público, levando a uma perigosa erosão da confiança.
A mídia necessita da confiança pública para funcionar efetivamente. E para conquistá-la novamente deve ser transparente, responsável e conectada com as pessoas a quem serve.
Portalb.mk: Então, como a mídia pode retomar a confiança pública?
AW: To rebuild public trust, media needs to focus on three key areas. First, they must commit to the values of professional journalism, adhering to ethical principles such as accuracy through fact-based reporting, independence from political or corporate influences, humanity by avoiding the exploitation of vulnerable groups or incitement of violence, and accountability by correcting mistakes and taking responsibility for errors. Second, transparency is essential; media organizations must clearly communicate who owns them, how they are funded, what their policies are, and whether they have any political or financial biases. Lastly, media must connect with the public by engaging directly, listening to people’s concerns, and understanding their perspectives.
AW: Para reconquistar a confiança pública a mídia precisa focar em três áreas chaves. Primeiro, precisa se comprometer com os valores do jornalismo profissional, aderindo a princípios éticos como: precisão por meio de reportagens baseadas em fatos, independência de influências políticas ou de corporações, humanidade, evitando explorar grupos vulneráveis ou incitar a violência, e prestação de contas ao corrigir enganos e se responsabilizar por erros. Segundo, transparência é essencial; organizações de mídia devem comunicar de forma clara quem é o dono delas, como elas são fundadas, quais são suas políticas, e se possuem viés político ou financeiro. Por fim, a mídia deve se conectar com o público, ao se engajar de forma direta, ouvindo as preocupações das pessoas e compreendendo suas perspectivas.
Portalb.mk: Como a mídia pode demonstrar esses comprometimentos na prática?
AW: Media can adopt mechanisms to prove their credibility, such as self-assessment and independent certification. A good example is the Journalism Trust Initiative (JTI), which encourages media organizations to produce reports detailing how they respect human rights, adhere to journalism ethics, and outline their ownership structures and editorial policies. These reports are then verified by independent auditing bodies, and once certified, media organizations can present this to the public as proof of their transparency, ethical conduct, and professionalism. This verifiable certification helps build trust because it allows people to independently confirm the media’s claims.
AW: A mídia pode adotar mecanismos que provem a sua credibilidade, como autoavaliações e certificações independentes. Um bom exemplo é a Iniciativa de Confiança do Jornalismo (Journalism Trust Initiative – JTI), que encoraja as organizações de mídia a produzirem relatórios detalhando como eles respeitam os direitos humanos, como aderem a ética do jornalismo, e qual é o panorama das estruturas às quais pertence e suas políticas editoriais. Esses relatórios são verificados posteriormente por órgãos independentes, e uma vez certificados, as organizações podem apresentar essa informação como prova de sua transparência, conduta ética e profissionalismo. Essa certificação verificável ajuda a construir confiança porque permite às pessoas uma confirmação independente das pretenções da mídia.
Portalb.mk: Por que isso é importante?
AW: In a world rife with deception, lies, and dishonesty, mechanisms like the Journalism Trust Initiative are vital. They provide a credible way for media to demonstrate their reliability and regain public trust.
AW: Em um mundo repleto de enganos, mentiras e desonestidade, mecanismos como a Iniciativa de Confiança do Jornalismo são vitais. Eles providenciam um jeito crível para a mídia demonstrar sua confiabilidade e ganhar novamente a confiança pública.