Imagem de Mariam Nikuradze/OC Media. Usada com permissão.
Em 4 de outubro, a Geórgia realizou eleições municipais em um clima de crescente tensão política. Protestos organizados pela oposição no dia da votação tiveram intervenção policial significativa, com dezenas de pessoas sendo presas após uma investigação iniciada pelo Ministério do Interior do país.
O partido no poder, Sonho Georgiano, conquistou uma vitória esmagadora, tanto proporcionalmente quanto nas eleições para prefeito, em todos os 64 municípios. A participação eleitoral oficial ficou em torno de 40,9%; na capital, Tbilisi, foi de apenas 31%, um recorde de baixa. De acordo com uma análise do Centro de Análise de Políticas Europeias (CEPA), instituição internacional sem fins lucrativos e apartidária de políticas públicas, “de quase um milhão de eleitores registrados, o candidato do partido no poder recebeu cerca de 250.000″. Nas eleições locais anteriores, realizadas em 2021, a participação eleitoral foi de 39%.
O contexto sociopolítico
As eleições municipais ocorreram em meio a um ano de protestos iniciados em resposta ao anúncio do governo de adiar a integração à UE. Em 2024, houve uma eleição parlamentar contestada, que tanto a oposição do país quanto observadores internacionais independentes descreveram como falha. Apesar dos protestos em andamento, o partido no poder não cedeu, apenas aumentando a pressão sobre os cidadãos e os membros restantes da sociedade civil independente. Prisões e sentenças de prisão continuaram, mesmo com o governo enfrentando crescente escrutínio pelo retrocesso democrático da Geórgia ao longo do último ano.
Às vésperas das eleições locais de 4 de outubro, grupos de oposição e de direitos humanos manifestaram preocupação com o fato de que mudanças nas leis eleitorais, incluindo a remoção de critérios que exigem segundo turno, o aumento de assentos majoritários e a reformulação dos limites municipais e da distribuição de assentos, favoreceriam os titulares do cargo. Isso foi acompanhado por uma repressão de um ano à dissidência e à sociedade civil, incluindo a prisão de figuras da oposição, a crescente pressão contra ONGs e restrições à mídia independente local, o que, cumulativamente, inclinou o campo de jogo a favor do governo.
Como resultado, oito grandes partidos de oposição, incluindo Praça da Liberdade, Geórgia Europeia, Movimento Nacional Unido, Estratégia Agmashenebeli, Girchi-Mais Liberdade e outros, anunciaram que boicotariam as eleições municipais, alegando que participar equivaleria a legitimar o que chamam de regime ilegítimo. Apenas alguns atores da oposição (a aliança Lelo-Geórgia Forte ; o partido Pela Geórgia do ex-primeiro-ministro Giorgi Gakharia), com um candidato conjunto, concorreram.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e seu Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos (OSCE/ODIHR) recusaram-se a enviar uma missão de observação devido ao curto prazo de aviso prévio, o que prejudicou ainda mais a confiança na supervisão. Outras missões internacionais de observação e observadores eleitorais locais de destaque, incluindo a Sociedade Internacional para Eleições Justas e Democracia, a Associação de Jovens Advogados da Geórgia e a Transparência Internacional, também não enviaram nenhuma missão, alegando um ambiente repressivo e a impossibilidade de eleições justas e livres.
Protestos, confrontos e repressão
No dia da votação, grandes manifestações em Tbilisi enfrentaram forte intervenção policial. Os organizadores dos protestos descreveram as manifestações como uma “revolução pacífica”, mas a prefeitura negou permissão para a maioria dos locais solicitados, concedendo permissão apenas para uma das quatro áreas, com a ressalva de que as vias deveriam permanecer abertas para não impedir o acesso das pessoas às seções eleitorais.
Os manifestantes acabaram por invadir os portões da residência presidencial; a polícia respondeu com spray de pimenta, canhões de água e gás lacrimogêneo. De acordo com dados oficiais, 21 agentes de segurança e seis manifestantes ficaram feridos.
Em um tuíte, pelo menos um parlamentar classificou os manifestantes como uma “multidão violenta” e “oposição radical”. O Ministério do Interior informou posteriormente que havia sido iniciada uma investigação em relação a quatro acusações criminais distintas; tentativa de derrubada da ordem constitucional, violência de grupo, apreensão ou bloqueio de instalação estratégica e dano ou destruição de propriedade. Entre os 36 presos até o momento estão figuras da oposição e dezenas de manifestantes.
Reação nacional e internacional
Em 7 de outubro, o Parlamento Europeu emitiu uma declaração conjunta sobre os resultados das eleições na Geórgia, descrevendo o ambiente em que as eleições locais ocorreram como “restritivo”, expressando preocupação com a resposta violenta da polícia aos protestos e apelando ao governo para “interromper seu ataque à democracia e respeitar os direitos fundamentais de liberdade de reunião e expressão”.
Em declaração emitida em 7 de outubro, a Diretora da OSCE/ODIHR, Maria Telalian, apelou às autoridades para que respeitem o direito dos cidadãos à reunião pacífica. “Manifestantes pacíficos na Geórgia continuam sendo detidos, condenados e multados por exercerem seus direitos. As autoridades têm a obrigação de implementar seus compromissos de direitos humanos e suas obrigações internacionais com a OSCE, incluindo o respeito ao direito à reunião pacífica”, afirmou. “Gostaria de apelar mais uma vez as autoridades georgianas a garantir que a sociedade civil e os defensores dos direitos humanos não sejam alvos e que suas vozes sejam ouvidas, pois seu trabalho é crucial para promover uma sociedade democrática vibrante“.
A Alta Representante da UE, Kaja Kallas, e a Comissária para o Alargamento, Marta Kos, emitiram uma declaração conjunta instando a Geórgia a defender a liberdade de reunião e expressão. “Meses de ataques à mídia independente, a aprovação de leis que visam a sociedade civil, a prisão de opositores e ativistas, ou emendas ao código eleitoral que favorecem o partido no poder, reduziram drasticamente a possibilidade de eleições competitivas”, explicaram, acrescentando que “grande parte da oposição boicotou essas eleições, e o comparecimento foi relativamente baixo”.
Várias outras respostas internacionais ecoaram os sentimentos das autoridades da UE, responsabilizando o governo em exercício por eleições que, segundo eles, não atenderam aos padrões democráticos, foram desprovidas de transparência e imparcialidade. Enquanto isso, o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze alegou que o protesto foi uma tentativa de derrubar a ordem democrática e acusou a UE de envolvimento estrangeiro.
Muito pouco, muito tarde?
Para alguns observadores, a condenação ocidental não é suficiente. De acordo com Laura Thornton, diretora sênior de programas de democracia global do Instituto McCain, as partes interessadas ocidentais devem assumir a responsabilidade por não terem feito o suficiente antes do que aconteceu em 4 de outubro. Ela sugeriu que a UE e os EUA falharam em adotar legislação que poderia ter sido usada para sancionar financeiramente e enfraquecer o partido no poder, mas sustentou que ainda havia a possibilidade de “isolar economicamente o regime georgiano”.
Apesar de o Sonho Georgiano ter obtido uma vitória esmagadora nestas eleições, Hans Gutbrod, professor de Políticas Públicas e observador de longa data da Geórgia, sugeriu em uma análise que o partido pode não ser tão forte quanto aparenta: “No fim das contas, tudo se resume a isso. O domínio do Sonho Georgiano sobre as instituições esconde que elas não são tão fortes. Em todo o mundo, aqueles que hoje são descritos como populistas pós-liberais têm queixas reais sobre as quais se apoiam, que vão da imigração à humilhação histórica (Trianon, Sèvres, “poder regional” e assim por diante). O Sonho Georgiano? Ele precisa inventar inimigos inteiramente imaginários”, escreveu Gutbrod .
As eleições municipais de 2025 destacaram a crescente polarização política e a tensão institucional na Geórgia. Apesar de o partido no poder ter conquistado vitórias em todos os municípios, a combinação de uma participação historicamente baixa, boicotes da oposição e a ausência de grandes missões de observação levantou questões sobre a credibilidade geral da votação. Os protestos e a resposta policial que se seguiu destacaram ainda mais o ambiente tenso em que as eleições foram realizadas.
Enquanto a Geórgia enfrenta o escrutínio sobre sua trajetória democrática e relações com seus parceiros ocidentais , as consequências das eleições provavelmente moldarão tanto o cenário político interno do país quanto o futuro de seu envolvimento com a União Europeia e a comunidade internacional em geral.