Em todos os continentes, as mulheres enfrentam a mesma luta, embora sob nomes diferentes. Algumas são obrigadas a cobrir o rosto em nome da moralidade; outras, a descobri-lo em nome da liberdade. O resultado é o mesmo: o direito de escolha permanece nas mãos de homens e legisladores, não nas das mulheres.
O ano de 2025 começou com a Suíça implementando a proibição nacional do uso da burca, vestimenta islâmica que cobre todo o corpo e deixa apenas uma tela para os olhos. Logo depois, Portugal seguiu o mesmo caminho e, agora, o Canadá entrou para a lista com a ampliação das leis de secularismo em Quebec. A justificativa por trás dessas proibições costuma ser apresentada como “libertação”, mas o resultado se parece bem mais com restrição. Em sociedades que se dizem “livres”, as mulheres voltam a ouvir sobre o que podem ou não vestir.
Em Quebec, o governo recentemente reforçou sua política de secularismo com uma nova lei que proíbe estudantes, professores e até voluntários de escolas públicas de cobrirem o rosto ou usarem símbolos religiosos. Embora as autoridades defendam a medida como necessária para garantir igualdade e neutralidade, ela se tornou um obstáculo ao acesso à educação e ao emprego para mulheres muçulmanas que usam o hijab (lenço que cobre a cabeça e o pescoço e deixa o rosto à mostra), ou o niqab (véu que cobre o rosto e deixa apenas uma fenda para os olhos). As que ensinavam ou cuidavam de crianças agora estão excluídas por praticarem a própria fé.
A restrição também se estendeu aos cuidados infantis. O governo planeja proibir símbolos religiosos em creches, alegando que isso protegeria a mente das crianças da influência religiosa. No entanto, muitos diretores e funcionários afirmam que a medida vai agravar a falta de profissionais e afastar trabalhadores qualificados. Uma professora que usa um lenço na cabeça não está fazendo sermão; está cuidando das crianças. A ideia de que a roupa ameaça a neutralidade revela um medo mais profundo da diversidade visível.
A disputa política em Quebec agravou o problema. O Partido Quebequense prometeu recentemente proibir símbolos religiosos para alunos do ensino fundamental, caso vença as eleições. Já o partido governante, a Coalizão Avenir Québec, também planeja restringir orações em espaços públicos. Ambos empurram minorias para a marginalização e promovem essas medidas na corrida pelo secularismo.
O debate agora se concentra nos tribunais. O governo federal questionou o uso da cláusula de exceção por Quebec para impedir a análise do Projeto de Lei 21. Ottawa argumenta que o uso repetido da cláusula enfraquece a Constituição canadense e prejudica os direitos das minorias.
Especialistas em Direito continuam divididos. Alguns consideram o uso da cláusula preventivo e perigoso, enquanto outros afirmam que ele preserva a autonomia provincial. A decisão que o Supremo Tribunal deverá tomar em breve definirá não apenas os limites da liberdade religiosa, mas também até onde os governos podem ir ao influenciar escolhas privadas.
A onda de proibições não se limita ao Canadá ou à Europa. Em alguns países do oeste e do sul da Ásia, o controle segue na direção oposta. No Afeganistão, mulheres são legalmente obrigadas a usar a burca. No Irã, são punidas por remover o hijab. Na Arábia Saudita, apesar de algumas restrições terem sido flexibilizadas, mulheres ainda vivem sob controle moral. Mesmo na Síria, na Jordânia e no Egito, as pressões sociais tradicionais levam muitas a se submeter. Além das fronteiras, a mensagem é a mesma: seja pela imposição do véu ou pela proibição, o corpo feminino continua sendo campo de batalha para interesses políticos e culturais.
A contradição é impressionante. As democracias ocidentais, enquanto condenam a coerção religiosa no exterior, impõem seus próprios códigos de vestimenta. Alegam que a remoção do hijab favorece a integração, mas, na prática, isso empurra as mulheres ainda mais para a marginalização. Uma mulher muçulmana que decide usar um lenço em Paris ou Toronto não deveria ter que justificar sua escolha, assim como uma mulher que decide não usá-lo em Teerã. A essência da liberdade é poder escolher sem medo nem punição.
A alegação de que essas leis protegem a igualdade é fraca. A verdadeira igualdade nasce de oportunidades, não da uniformidade. Excluir mulheres de salas de aula, escritórios e creches por causa de suas roupas as priva de independência econômica e transmite a ideia de que religião e serviço comunitário são incompatíveis. Quanto mais o governo interfere nas crenças individuais, menos tolerante a sociedade se torna. A história mostra que, quando um grupo começa a perder liberdade, essas restrições avançam rapidamente.
A maioria dos líderes ocidentais promete defender os direitos das mulheres em outros países, mas não protege os das mulheres do próprio país. As mesmas críticas ao conservadorismo religioso na Ásia Ocidental viram elogios quando leis na Europa e na América do Norte passam a limitar a expressão religiosa. Tal contradição revela a natureza política do debate. A religião não é a verdadeira ameaça, e sim o medo da diferença.
O que falta nesses debates é a voz das próprias mulheres. Poucos formuladores de políticas perguntam como elas se sentem ao receber orientações sobre o que vestir, seja em Cabul ou em Quebec. Para algumas, o hijab é um ato de fé. Para outras, é cultural ou pessoal. A solução não é impô-lo nem proibi-lo, mas respeitar a escolha por trás dele. Quando uma mulher decide por si, isso é liberdade. Quando outros decidem por ela, isso é controle.
O desafio atual é proteger a liberdade individual sem transformá-la em uma nova forma de controle. Governos precisam parar de usar o secularismo ou a religião como ferramentas de engenharia social. A questão não é se uma mulher deve ou não cobrir o rosto, mas se pode viver sem ser julgada ou discriminada.
A liberdade não deve depender da geografia ou da ideologia. Deve ter o mesmo significado em Toronto, Teerã ou Cabul. A verdadeira medida de uma sociedade livre é simples: não está na aparência das mulheres, e sim no controle que elas exercem sobre a própria vida.
Em conclusão, o conflito em torno do hijab tornou-se um espelho das inseguranças e dos medos da sociedade. Em diferentes partes do mundo, afirma-se defender a dignidade, mas nega-se às mulheres a autonomia de maneiras distintas. A verdadeira libertação só virá quando a aparência feminina deixar de ser objeto de políticas estatais ou de debates públicos. Até lá, o mundo continuará falando de liberdade enquanto a nega na prática.





