Dosseh Koulékpato, um estudante de Togo, foi capturado pelas tropas ucranianas. Captura de tela do canal do YouTube United24. Uso justo.
Desde o seu início, em fevereiro de 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia rapidamente se transformou em um conflito internacional, cujas consequências são sentidas até mesmo na África. Embora a maioria dos líderes africanos tenha mantido uma postura bastante neutra, alguns jovens se posicionaram abertamente a favor da Ucrânia ou da Rússia.
Em março de 2022, Ottah Abraham, nigeriano de 27 anos, não escondeu o desejo de se juntar à Ucrânia e lutar contra a Rússia. Um artigo da BBC Afrique, publicado na época, cita a seguinte declaração do jovem:
Nous savons que c’est la guerre, ce n’est pas un jeu d’enfant. Mais être un soldat en Ukraine serait mieux que d’être ici. Je serai probablement autorisé à rester si la guerre se termine, en plus je serai un héros et je combattrai un ennemi indéniable.
Sabemos que é uma guerra, não uma brincadeira. Mas prefiro ser soldado na Ucrânia do que continuar aqui. Se o conflito acabar, é provável que me deixem ficar. Além disso, serei um herói e estarei lutando contra um inimigo de verdade.
A mídia africana destacou diversos casos de jovens africanos sendo recrutados para a guerra. Em um artigo de 2022, a Rádio França Internacional (RFI) relatou que autoridades senegalesas se opuseram a uma postagem no Facebook (posteriormente excluída) publicada pela embaixada da Ucrânia no país para recrutar voluntários. Na época, o Ministério das Relações Exteriores do Senegal declarou que:
… que le recrutement de volontaires, mercenaires, et combattants étrangers sur le territoire sénégalais est illégal et passible de peines prévues par la loi.
… o recrutamento de voluntários, mercenários e combatentes estrangeiros em território senegalês é proibido e pode acarretar consequências legais.
À medida que surgiam mais rumores sobre práticas de recrutamento semelhantes em outros países africanos, as missões diplomáticas da Ucrânia e da Rússia foram rápidas em emitir negativas formais. Ainda assim, a Rússia não abandonou os esforços de recrutamento de africanos para o exército, concentrando-se especialmente em jovens que já se encontram no país.
A armadilha administrativa da Rússia
A promessa de melhor educação, condições de vida e oportunidades de emprego atrai muitos jovens africanos à Europa e explica, em parte, porque alguns escolhem estudar na Rússia, onde o governo oferece ajuda financeira.
Mas o governo russo também é conhecido por sua administração corrupta, que frequentemente explora cidadãos estrangeiros, sejam eles migrantes econômicos ou estudantes internacionais.
Em 2025, a Bloomberg e o Kyiv Independent publicaram reportagens alegando que autoridades russas estariam manipulando o processo de renovação de vistos vencidos, prometendo resolver a situação se a pessoa aceitasse lutar na frente de batalha na Ucrânia. A Rússia nega a acusação, mas novos relatos do mesmo ano sugerem que essa prática, de fato, ocorre.
O jornal Le Monde e a BBC confirmaram casos como os de Dosseh Koulékpato e Malick Diop, respectivamente.
Este vídeo do canal do YouTube United 24, plataforma criada pelo governo ucraniano em 2022 para arrecadar fundos e divulgar informações, apresenta Dosseh Koulékpato, estudante togolês de 27 anos capturado pelas forças ucranianas em fevereiro de 2025. Em uma entrevista em francês com legendas em inglês, ele conta sua história. Depois de ter o visto negado em outros países, decidiu se estabelecer oficialmente na Rússia como estudante. Pouco depois, foi abordado para assinar um contrato escrito em russo, idioma que não domina, e só então descobriu que havia se alistado no exército do país. Após ser enviado à frente de batalha, logo foi capturado pelas tropas ucranianas.
Malick Diop é um estudante senegalês capturado pelo exército ucraniano em abril de 2025. Um vídeo publicado na página “Guerre en Ukraine“, no Facebook, mostrou sua captura:
De acordo com a BBC Afrique, que entrou em contato com parentes do jovem e com outro estudante senegalês que o acompanhava, Diop afirmou que se alistou no exército por não ter recursos para financiar sua viagem à Alemanha:
On s’est connu avant d’aller en Russie parce qu’on avait postulé tous les deux pour une Bourse d’études offerte par la Russie au Sénégal. Nous avons eu la chance d’être sélectionné et nous avons fait la procédure ensemble jusqu’à notre voyage en Russie. C’est une fois en Russie que notre relation a évolué, nous sommes devenus très proches, comme des frères je peux dire.
Nos conhecemos antes de ir à Rússia, pois ambos nos candidatamos a uma bolsa de estudos oferecida pelo país a estudantes senegaleses. Tivemos a sorte de ser selecionados e passamos por todo o processo juntos até a viagem. Quando chegamos lá, nossa relação evoluiu e nos tornamos muito próximos, como irmãos, eu diria.
A família de Malick Diop espera que as autoridades do Senegal ajudem a organizar seu retorno ao país. Até o momento, não houve nenhuma reação oficial por parte do governo senegalês.
Reação das autoridades africanas
No Togo, a detenção de Dosseh Koulékpato não passou despercebida. Organizações locais de direitos humanos, como o Movimento Martin Luther King (MMLK, na sigla em inglês), pediram ao governo togolês que assumisse o caso. Em um comunicação divulgada pela Plume d’Afrique em 17 de março, a organização afirma ter entrado em contato com as autoridades do país:
(…) le MMLK a été informé de la triste nouvelle avec des preuves à l’appui. Aussitôt, le Chef de l’État Togolais et le Ministre des Affaires ont été saisis pour toutes fins utiles. Le MMLK demande aux autorités togolaises de s’engager avec les autorités ukrainiennes pour sauver la vie à notre compatriote.
(…) O MMLK tomou conhecimento da triste notícia da captura de Dosseh Koulékpato, acompanhada de evidências que a comprovam. O chefe de Estado togolês e o ministro das Relações Exteriores foram imediatamente informados, para todos os efeitos. O movimento pede às autoridades do Togo que colaborem com o governo ucraniano para salvar a vida de nosso compatriota.
As autoridades do Togo responderam aos apelos de organizações da sociedade civil. Um artigo publicado no Nouvel Angle cita o Ministério das Relações Exteriores, que declarou:
Les autorités togolaises ont été saisies de cas de ressortissants togolais capturés et détenus par les forces ukrainiennes alors qu’ils participaient à des opérations militaires aux côtés des forces armées russes dans le cadre du conflit actuel.
Le ministère en charge des affaires étrangères travaille activement avec certains partenaires diplomatiques, à faire toute la lumière sur cette situation et apporter dans la mesure du possible, l’assistance nécessaires aux personnes concernées.
As autoridades togolesas foram informadas sobre o caso envolvendo cidadãos do país capturados e detidos pelas forças ucranianas enquanto participavam de operações militares ao lado da Rússia, no contexto do atual conflito.
O ministro das Relações Exteriores atua ativamente com parceiros diplomáticos para esclarecer a situação e oferecer o máximo apoio possível às pessoas envolvidas.
Bolsas de estudo na Rússia: ilusão de uma oportunidade
A pobreza, o desemprego e a corrupção levam muitos jovens africanos a buscar bolsas de estudo no exterior para maximizar suas chances. Porém, nem todas as ofertas de bolsas são genuínas, de acordo com o governo togolês.
Na declaração a seguir, o Ministério das Relações Exteriores confirma que muitos jovens togoleses vão à Rússia para estudar:
(…) la majorité de ces compatriotes, en particulier de jeunes étudiants, auraient quitté le Togo dans le cadre de prétendues bourses d’études offertes par des structures se présentant comme basées en Russie.
Face à cette situation préoccupante, le ministère des affaires étrangères appelle les citoyens notamment les jeunes désireux de poursuivre leurs études à l’étranger à la plus grande vigilance.
(…) A maioria desses cidadãos, especialmente jovens estudantes, deixou o país sob o pretexto de supostas bolsas de estudo oferecidas por organizações que afirmam ser da Rússia.
Diante dessa situação preocupante, o Ministério das Relações Exteriores aconselha os cidadãos, em especial jovens que desejam estudar no exterior, a redobrarem a atenção.
O ministério recomenda pesquisar cuidadosamente a autenticidade das ofertas de bolsas de estudo antes de prosseguir:
Il les exhorte à vérifier l’authenticité des offres de bourses avant tout engagement, et à se rapprocher de ses services compétents ou de tout autre ministère concerné, notamment le ministère de l’enseignement supérieur et de la recherche, pour obtenir des informations fiables et sécurisées avant tout départ à l’étranger, en particulier à destination de la Russie.
Ele os incentiva a verificar se as ofertas são genuínas antes de assumir qualquer compromisso e a consultar as autoridades ou ministérios competentes, em especial o Ministério de Ensino Superior e Pesquisa, para obter informações confiáveis e seguras antes de viajar ao exterior, principalmente para a Rússia.
No entanto, é improvável que essas recomendações façam diferença. Todos os anos, milhares de togoleses tentam deixar o país em busca de uma segunda chance. Muitos estão dispostos a enfrentar qualquer perigo, mesmo que isso signifique se estabelecer em um país em guerra.