A desinformação é considerada o maior risco para a Humanidade em 2025. O que fazer para combatê-la?

por The Conversation
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A desinformação é considerada o maior risco para a Humanidade em 2025. O que fazer para combatê-la?

No dia 15 de janeiro, o Fórum Econômico Mundial publicou o Relatório de Riscos Globais 2025, com o ranking dos principais desafios a serem enfrentados pelo mundo nos planos econômico, ambiental, geopolítico, social e tecnológico. O documento situa a desinformação como o maior perigo a curto prazo para a Humanidade. A conclusão foi alcançada a partir de levantamentos coletados em 2024 pela organização, por meio da pesquisa Global Risks Perception Survey (GRPS), que ouviu mais de 900 líderes internacionais dos setores empresarial, governamental e científico, além da própria sociedade civil.

De acordo com o relatório, o compartilhamento de informações falsas, enganosas ou retiradas de contexto, com ou sem intenção de prejudicar alguém, lidera um conjunto de 33 riscos a curto prazo – o que corresponde aos próximos dois anos. Como número um da lista de problemáticas imediatas, a desordem informacional desbanca ameaças como eventos climáticos extremos, conflitos armados entre países, polarização social, cyber espionagem e poluição. A longo prazo – numa projeção para os próximos 10 anos –, ela ocupará a 5ª posição.

Fonte: Relatório de Riscos Globais 2025 / Fórum Econômico Mundial.

Fonte: Relatório de Riscos Globais 2025 / Fórum Econômico Mundial.

O documento destaca que desinformação e polarização social reforçam-se, mutuamente, ocupando a 4ª e a 5ª colocação, respectivamente, no panorama geral – ou seja, quando se leva em consideração o grau de ameaça a curto e longo prazos. Segundo o Fórum Mundial, “a alta classificação desses dois riscos não é surpreendente, considerando a propagação acelerada de informações falsas ou enganosas, que amplificam os outros principais riscos que enfrentamos, desde a base estatal”. De fato, os dois fenômenos estão associados e são retroalimentados entre si.

Há vários anos, as plataformas digitais se converteram na principal fonte de informação da maioria dos indivíduos, em todo o mundo, como evidenciam os levantamentos de 2023 e 2024 do Digital News Report, do Instituto Reuters de Estudos de Jornalismo, baseado em Oxford (Inglaterra). E, na atual lógica do modelo de plataformização do mercado e das relações interpessoais, quanto mais um usuário se alinha a determinados tipos de conteúdos, mais o algoritmo recomenda outros similares, o que o conduz às chamadas “câmaras de eco”, nas quais ideias, crenças e informações são reforçadas, amplificadas. Assim, criam-se consensos dentro de uma “bolha”, que não reverberam em outra; ao contrário, as afasta, cada vez mais, e polariza.

E onde entra a desinformação? O fato de os indivíduos estarem submersos em suas bolhas, menos expostos ao contraditório, ao diferente, ao “outro lado”, já representa um déficit informacional. Mas o problema tem um agravante: frequentemente, os polos são fortalecidos por práticas e estratégias de desinformação – no sentido amplo, a partir de conteúdos que “poluem” o ecossistema, de diferentes formas. Nesse sentido, consideram-se conteúdos retirados de contexto; teorias conspiratórias; narrativas distorcidas ou totalmente inventadas; opinião disfarçada de notícia; discursos de ódio; cancelamentos; e linchamentos virtuais. Isso possibilita que uma série de discursos potencialize a polarização, reforce a dicotomia “nós versus eles” e contamine a opinião pública.

Desinformação digital em rede: uma marca da extrema direita

Nos últimos anos, a desordem informacional tem sido um recurso amplamente utilizado no xadrez da geopolítica para mobilizar eleitores, em todo o mundo, sendo mais suscetível a grupos radicais. Nesse cenário, nota-se uma particularidade: evidências científicas revelam que a desinformação é uma marca da extrema direita, algumas vezes com características explicitamente fascistas, ou mesmo nazistas.

Há um consenso entre as principais pesquisas da área, a exemplo dos estudos apresentados pelo projeto Cybersecurity for Democracy, da New York University (NYU), que, desde 2021, indicam que as fontes de notícia da extrema direita não só são mais envolventes para o seu público, atraindo-os para suas publicações, como engajam 65% mais – com comentários, “likes” e compartilhamentos – ao publicarem conteúdos falsos.

No Brasil, o Estudo Pulso da Desinformação, publicado pelo Instituto Igarapé, constatou que, nas Eleições de 2022, o número de postagens e interações da extrema direita foi superior a qualquer outra orientação política, com alcance 40% maior do que perfis da esquerda, que, inclusive, publicaram mais. Segundo a análise, “a extrema direita foi muito mais ativa e efetiva na disseminação de mensagens do que a esquerda, o centro ou a mídia tradicional”, sendo mais “competitiva no engajamento de seus apoiadores e na divulgação de suas mensagens”.

Mas o que chama a atenção na pesquisa é a disseminação de campanhas de desinformação. De acordo com o estudo, ainda que Bolsonaro tenha perdido nas urnas, “canais de extrema direita obtiveram engajamento recorde ao disseminar desinformação por meio de lives, entrevistas e mesacasts”. O fenômeno foi considerado um reflexo do investimento coordenado para a propagação de quatro narrativas: reduzir a confiança no sistema eleitoral; atacar as instituições democráticas; difamar e diminuir a influência de adversários políticos; e influenciar os principais apoiadores a agir.

Contudo, esse não é um fenômeno inédito. Nota-se que uma estratégia clássica de propaganda e agitação nazifascista é explorar o medo e estimular o ódio, inventando inimigos perigosos, que precisam ser controlados ou eliminados. Assim, misturando pitadas de realidade com doses cavalares de mentiras, polariza-se um setor da sociedade, composto pelos que caem nessas narrativas produzidas para o engano, e tensiona-se o resto.

Por isso, a concepção de “polarização” é controversa. Isso porque, para muitos especialistas, o que se evidencia é a ascensão de apenas um bloco, o extremismo de direita. Assim, o que ocorre, em contrapartida, é um tensionamento no conjunto da sociedade, pois torna-se difícil o diálogo e a argumentação diante do fanatismo.

No livro “A Era da Desinformação: pós-verdade, fake news e outras armadilhas”, desenvolvemos o conceito de Desinformação Digital em Rede (DDR), para distinguir aquela que circula nas plataformas digitais e nos serviços de mensagem das convencionais, como boatos, fofocas e o eventual viés da imprensa e da radiodifusão. A dinâmica, apesar de ser inédita, do ponto de vista tecnológico, é apenas uma reformulação de antigas práticas – ora, se Hitler e Goebbels propagavam mentiras, medo e ódio, principalmente, pelo rádio, Trump e Bannon o fazem pela TV e, mais recentemente, pelas plataformas digitais.

Nesse novo contexto, emergem modelos socioeconômicos caracterizados, sobretudo, pelo capitalismo de vigilância e de plataformas, nos quais os algoritmos são elaborados para gerar engajamento a qualquer custo e recomendam conteúdos similares para os indivíduos, a partir de suas crenças, seus gostos e suas bolhas, com o intuito de mantê-los conectados. Neles, a desinformação apresenta-se como um recurso que gera ainda mais engajamento do que a informação ponderada e fidedigna.

Desconfiança nos meios de comunicação

Os meios jornalísticos ainda servem como indexadores para aqueles que buscam informação qualificada, com base em evidências, com fontes transparentes sobre seus processos de apuração e responsabilidade em suas investigações. No entanto, as pessoas têm perdido o interesse pelas notícias, assim como estão mais desatentas.

No conhecido estudo “Shifting attention to accuracy can reduce misinformation online”, publicado na Nature e desenvolvido por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em parceria com outras universidades ao redor do mundo, constatou-se que a falta de atenção foi o fator determinante para 51,2% dos compartilhamentos de desinformação entre usuários de redes sociais. Em experimento posterior, os investigadores identificaram que uma simples intervenção – fazê-los pensar sobre a precisão da notícia, antes de replicá-la – poderia minimizar a disseminação do conteúdo.

Além da falta de atenção e análise crítica dos usuários, há outro problema: à medida em que se expande a desinformação, cai a confiança da população em relação aos meios de comunicação tradicionais. Segundo o Relatório de Riscos Globais 2025, “em uma amostra de 47 países, apenas 40% dos entrevistados disseram que confiavam na maioria das notícias”.

Certamente, o problema advém de três principais causas: o crescimento das mídias sociais desreguladas como principal meio de acesso à informação; o crescimento de corporações religiosas – aqui, atribui-se o termo “corporação” aos grupos economicamente poderosos e com ambições políticas claras –, cuja pregação conservadora colide com tendências mais tolerantes e pluralistas; e uma percepção da população de que os meios de comunicação tradicionais nem sempre dizem toda a verdade ou são imparciais como apregoam ser e, às vezes, mentem ou omitem informação relevante.

Além disso, tradicionalmente, há uma crítica da esquerda às mídias corporativas, alegando que elas costumam ter “lado” no jogo político, o lado do capital. Mas elas sempre sobreviveram bem a essa crítica, que mal as afeta. No outro lado do espectro, a crítica da extrema direita dirige-se ao que a mídia tem de melhor, precisamente o que contraria seus interesses e pautas: o compromisso com a objetividade jornalística, os valores republicanos, o Estado Democrático de Direito e a ciência.

Portanto, conforme as forças políticas de extrema direita crescem, recorrendo à desinformação e ao irracionalismo nas mídias sociais desreguladas, frequentemente em aliança com corporações religiosas, a mídia tradicional torna-se sua “inimiga”, assim como cientistas, artistas e qualquer grupo de espírito mais democrático, progressista e tolerante, por não reproduzirem a anticiência, o fanatismo, as teorias conspiratórias, o irracionalismo e o autoritarismo.

Ao fenômeno, também se soma um “borramento” na percepção social sobre o que é um jornalista. Isso deve-se ao fato de que a facilidade de acesso aos meios de produção de conteúdo fez com que todos se sentissem um pouco jornalistas. Com as plataformas, não é mais necessária nenhuma mediação jornalística para que qualquer cidadão conte sua versão sobre uma história, sem nenhuma evidência; e, com os algoritmos, essas versões podem escalar muito mais do que as histórias contadas por profissionais da imprensa, baseados em fatos e com apuração cuidadosa. Para completar, nos meios digitais, a confiança está baseada em relações pessoais, não em instituições.

Por isso, para recuperar a confiança nos meios de comunicação, são necessárias ações conjugadas, com três grandes frentes: a regulação das plataformas digitais; o fortalecimento do elemento cidadão, crítico e reflexivo na formação escolar, para além da educação voltada, exclusivamente, para o mercado; e mediante a melhoria na qualidade da informação produzida pelas fontes profissionais, diminuindo o viés ou assumindo-o, e o financiamento público do Jornalismo de qualidade e plural, não sustentado pela publicidade.

Regulação democrática

Ainda que os algoritmos tenham sido utilizados, orquestradamente, para alavancar a monetização dos serviços ofertados pelas big techs – as grandes corporações por trás da internet – e corroborar com a lucrativa desordem informacional, eles podem ser convertidos em agentes importantes no combate à desinformação, quando aproveitados de forma justa e transparente. Isso porque podem ser programados para oferecer pluralidade e colaborar com a detecção de conteúdos suspeitos. Mas não só isso, pois o problema não é meramente tecnológico. A moderação humana no output do processo é fundamental, assim como a leitura crítica. Isso significa que exige diferentes segmentos, que envolvem educação, letramento digital, negócios e regulação.

O enfrentamento à disseminação de conteúdos falsos deve partir, antes de tudo, dos princípios jornalísticos da veracidade e pluralidade, por meio dos quais as informações são baseadas em evidências, na diversidade de pontos de vista, na lisura e no respeito à dignidade humana.

Ao contrário do que têm feito Musk e Zuckerberg – proprietários do X e da Meta, respectivamente –, o regime informacional em vigência exige investimentos robustos em checagem de fatos, que é uma das tarefas do bom Jornalismo. Além disso, é urgente e prioritária uma moderação democrática de conteúdos, com transparência, regras claras, legalmente amparada, eticamente fundamentada, comprometida com o interesse público e conduzida por órgãos reguladores independentes de governos e do mercado, compostos por especialistas em Informação, Comunicação e Cultura.

Por que isso não é feito? Os representantes da big techs alegam que é em defesa da liberdade de expressão, como o fez Zuckerberg, em seus últimos pronunciamentos. Mas a razão é outra: a moderação dos conteúdos, por mais democrática que seja, vai de encontro ao modelo de negócios extremamente lucrativo das plataformas, que consiste em gerar o máximo de engajamento possível entre o máximo de pessoas possível, para melhor perfilar consumidores e otimizar a publicidade programática que os sustenta.

Assim, com um sistema de recomendação de algoritmos altamente lucrativo, no qual a desinformação monetiza de forma exponencial, o compromisso das plataformas passa a ser comercial, com quem paga para promover suas narrativas. Quem tem capital econômico para isso também lucra com esse modelo, que permite a propagação de diferentes discursos, sem qualquer filtro. E, dentro dessa lógica, já está fartamente documentado que a verdade e a ponderação têm sido menos eficazes na produção de engajamento do que o sensacionalismo, os apelos emocionais, os discursos de ódio e as teorias conspiratórias.

Portanto, se evidencia que as plataformas não são neutras ou recursos meramente tecnológicos. São atores sociais relevantes, que precisam ser responsabilizados legalmente por tornarem a desordem informacional um negócio cada vez mais rentável. Em síntese, urge a implantação de normas que impeçam e penalizem que se obtenha lucro com a facilitação ou a promoção do tráfico de desinformação do tipo que fere outros direitos, tão importantes quanto a liberdade de expressão – ligados, sobretudo, à defesa de minorias ou maiorias minorizadas, do Estado Democrático de Direito, da integridade da informação, do meio ambiente, da saúde pública e da dignidade humana.

É ingênuo pensar que a desinformação é um problema exclusivo das plataformas digitais. No entanto, é nesse modelo de negócio que ela se alastra deliberadamente. A desordem informacional também pode aparecer em outros espaços midiáticos tradicionais, mas, neles, tende a ser reduzida, haja vista que existem demarcações editoriais claras sobre o que é informação, opinião e propaganda; e porque existem regras de responsabilização, tanto dos profissionais quanto das empresas.

Desse modo, se as plataformas forem responsabilizadas pelo que se publica em suas páginas, elas passarão a moderar e modificar suas políticas, porque isso irá interferir no seu próprio modelo de negócio. Isso implica, também, um olhar para o conteúdo impulsionado e os critérios de direcionamento, que precisam ser transparentes e fiscalizados, como a propaganda tradicional já é.

O papel da Educação Midiática e Informacional

O relatório do Fórum Mundial também aponta para a importância de uma formação crítica no combate à desinformação. No Brasil e no mundo, estudos sérios e experiências bem-sucedidas apontam que a Educação Midiática e Informacional (EMI) é o caminho. Uma dimensão fundamental dessa prática é promover a compreensão do funcionamento da mídia, seja o Jornalismo tradicional ou as plataformas digitais.

A EMI apresenta-se como uma prática fundamental e integrativa por permitir que os indivíduos distingam as informações verdadeiras das falsas; fortalecer a cidadania, com o desenvolvimento de habilidades críticas; promover uma integração digital assertiva, inclusiva, equânime e socialmente justa; promover diálogos e reduzir extremismos; e preparar a sociedade para o futuro e os desafios impostos pelas tecnologias digitais.

Essas práticas já têm sido amplamente defendidas e consolidadas por instituições de referência. Entre elas, destaca-se a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), que possui setor dedicado, exclusivamente, à Alfabetização Midiática e Informacional, e permite o acesso gratuito a dezenas de estudos, guias práticos e orientações, no espaço Media and Information Literacy. No Brasil, a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) também oferece acesso livre a mais de mil artigos acadêmicos relacionados ao tema e a relação de inúmeras iniciativas, de Norte a Sul do País.

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